Sandra Lázaro

Na margem norte do Estuário do Sado, mais concretamente na Zona Industrial da Mitrena, em Setúbal, existe uma pequena comunidade de pescadores formada por alguns homens e uma mulher. Sandra Lázaro é a única pescadora licenciada desta comunidade piscatória que dá vida à praia da Graça, praia essa situada entre uma empresa de extração e tratamento de minérios, a Somincor, e uma empresa que produz adubos e produtos químicos, a SAPEC.

“Setubalense de gema”, como se caracteriza, Sandra Lázaro tinha 2 anos quando entrou pela primeira vez num barco, cujo proprietário era o padrasto, a quem sempre chamou de pai. Desses tempos, Sandra recorda-se de apanhar ervas marinhas secas para encher sacos de sarapilheira, que serviriam de cama para si e para a sua família nas noites passadas no mar. Quando o padrasto deixou a pesca, para ir trabalhar para a Câmara Municipal de Setúbal, ia com a mãe e o irmão apanhar caranguejos e camarões. “Tinha 7 anos quando comecei a andar à camarinha”, diz a pescadora, fazendo menção a um pequeno camarão que se encontra, frequentemente, em zonas estuarinas. Desde então, já se passaram 45 anos e Sandra Lázaro nunca mais deixou de pescar nas águas do Estuário do Sado.

Durante todos estes anos, Sandra conciliou a atividade de pescadora com outros trabalhos. “Quatro folhas de currículo”, afirma, referindo-se ao seu percurso profissional, que inclui passagens por várias fábricas da região, entre outros empregos. Atualmente, trabalha a tempo inteiro na fábrica da Parmalat, entre as 12h e as 20h, estando a manhã destinada à pesca, juntamente com o marido, Rogério Santos, com quem é casada desde os 16 anos.

Diariamente, o casal começa a pescar por volta das 6h da manhã, largando e recolhendo as redes de pesca em diferentes pontos do estuário. Apesar da poluição e das dragagens que o Estuário do Sado sofreu ao longo dos anos, as redes capturam uma ampla variedade de espécies, ainda que a quantidade nem sempre seja a desejada. De acordo com Sandra Lázaro, “a época do choco é a melhor de todas as épocas de pesca. É uma pesca sazonal, entre fevereiro e fins de junho”. Além de chocos, as redes também trazem santolas, linguados, solhas e outras espécies de peixes. O pescado de baixo valor em lota, como o alcorraz ou o charroco, fica para consumo próprio ou para oferecer a amigos. A partir de setembro, altura em que “começam a aparecer os polvos”, o casal de pescadores usa alcatruzes (potes de barro utilizados como armadilhas) para apanhar polvos. Uma das adversidades mais recorrentes é a ocorrência de buracos nas redes feitos pelos golfinhos-roazes que habitam o estuário. “Abrem a boca, levam o peixe e abrem buracos na rede”, diz Sandra Lázaro, acrescentando logo de seguida: “Não podemos reclamar. Nós é que estamos a invadir o espaço deles. Eles estão em casa”.

“Acho que sou guardiã do mar desde que pus os pés dentro de um barco pela primeira vez”, declara, fazendo alusão à sua colaboração com a organização não-governamental Ocean Alive. Há 6 anos, Sandra e outras mulheres da comunidade piscatória do Estuário do Sado tornaram-se Guardiãs do Mar, após serem convidadas para desempenhar funções como guia marinha, agente de sensibilização ou monitora das pradarias marinhas. “Eu sabia, tal como os pescadores daqui da zona sabiam, que as pradarias de ervas marinhas eram importantes, que eram berçários de vida marinha, mas não sabíamos que faziam a remoção de dióxido de carbono da atmosfera, não sabíamos que produziam oxigénio, não sabíamos que contribuíam significativamente para a qualidade da água. Só depois de estar na Ocean Alive é que comecei a ter a noção da importância das pradarias marinhas”, conta Sandra Lázaro, guia marinha da primeira cooperativa em Portugal dedicada à proteção do oceano.

Com a ajuda das pescadoras, a Ocean Alive tem vindo a mapear as zonas onde há pradarias marinhas no Estuário do Sado. Ao todo, nos últimos anos, foram identificadas vinte e duas pradarias, onde a organização está a desenvolver projetos de restauro. Enquanto guia marinha, Sandra acompanha as crianças das escolas em passeios educativos. “Combina-se e vamos à pradaria que fica na Ponta do Adoxe. Mostro alguns dos perigos de certos agentes nocivos para as espécies que ali habitam”, diz a Guardiã do Mar, que também já se deslocou a algumas escolas da região para sensibilizar os jovens para o valor das pradarias marinhas. Mesmo quando não está a participar em iniciativas da Ocean Alive, Sandra Lázaro está sempre disponível para divulgar a visão da organização: “um oceano saudável protegido pelas comunidades costeiras”. A pescadora procura transmitir aos seus colegas a importância da preservação e valorização da biodiversidade do Estuário do Sado. “Estou sempre a dizer aos pescadores para trazerem o lixo que apanham nas redes. Se trouxerem o lixo hoje, já não o apanham amanhã. Apanham outro lixo. E, assim, vão limpando o rio”, diz Sandra, acrescentando, com um orgulho evidente: “Antigamente apanhávamos muito lixo, como latas de conserva, garrafas de cerveja e sacos de plástico, mas hoje em dia é muito raro apanharmos lixo nas redes”. A guardiã também participa regularmente em ações de limpeza do Estuário do Sado.

Aos 52 anos, Sandra Lázaro espera continuar a “conseguir chegar às pessoas através do coração e dizer-lhes que o nosso planeta não tem um plano B, só temos este!”. Enquanto limpa o barco com o nome da neta mais velha, Íris Santos, a pescadora revela o que deseja para o oceano: “Desejo-lhe saúde, porque acho que está muito doente. Está a gritar por socorro e nem toda a gente o consegue ouvir. Temos de lhe dar a mão agora”. No que depender de Sandra Lázaro, o oceano será protegido com unhas e dentes. “Costumo dizer que nascemos com uma missão, temos é de saber qual é. Neste momento, sei qual é a minha, é ajudar o oceano a sobreviver aos maus-tratos que tem sofrido”, conclui, com um brilho no olhar.

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