Jorge Varandas

A latoaria é uma arte ancestral que está em vias de desaparecer. Durante séculos, os latoeiros fabricaram, a partir de lata, utensílios de uso quotidiano como baldes, regadores e candeias. Esta tradição perdurou até meados do século passado, quando a chegada do plástico revolucionou os hábitos da sociedade. Ao longo do século XX, o número de latoeiros foi diminuindo drasticamente e, já no século XXI, restam apenas alguns representantes desta profissão em atividade. Um deles é Jorge Varandas, o último latoeiro de Setúbal, que insiste em manter viva esta arte quase extinta.

Apesar de viver em Setúbal há cerca de quarenta anos, Jorge Varandas nasceu em Ponte de Sor e passou a infância em Moçambique, para onde se mudou com apenas um ano de idade. Em 1972, regressou a Portugal, mas não demorou a voltar a África — desta vez para Angola, onde combateu na Guerra do Ultramar durante quase três anos. O conflito deixou-lhe marcas físicas e psicológicas que perduram até hoje, bem como memórias que prefere não recordar nem partilhar. 

Após cumprir o serviço militar, Jorge Varandas trabalhou durante alguns anos na construção civil, realizando também diversos trabalhos de serralharia e soldadura. Passou por França, Alemanha, Dinamarca e Noruega, até que, no final da década de 1980, já em Setúbal, um acidente de trabalho quase lhe custou a vida. “Estava a colocar um telhado no Mercado do Livramento e caí de um andaime com dez metros de altura. Bati com a cabeça no chão e estive três semanas em coma na Clínica São João de Deus, em Lisboa”, recorda. O acidente deixou-lhe sequelas permanentes na coluna vertebral, impedindo-o de continuar a exercer a profissão que tinha até então. 

A alternativa surgiu na latoaria — um ofício que, embora nunca tivesse praticado, fazia parte da história da sua família. “Já havia tradição familiar, mas ninguém me ensinou. Tudo o que sei aprendi por mim próprio, como autodidata”, conta Jorge Varandas, sentado no sofá da pequena oficina onde vive e trabalha desde a década de 1990.

É na sua oficina improvisada, nas traseiras do edifício da antiga estação rodoviária de Setúbal, que Jorge Varandas continua a dar forma a peças únicas, criadas a partir de simples chapas galvanizadas. Regadores, cata-ventos, bilhas de leite, funis e candeeiros são apenas alguns dos muitos objetos em metal que podem ser encontrados no seu espaço. 

Ao longo do seu percurso como latoeiro, Jorge Varandas realizou “grandes trabalhos e até restaurações”, como a recuperação de uma nora — aquele que considera “o maior trabalho que alguma vez desenvolvi”. Apesar do esforço para manter viva a tradição, reconhece com pesar que “o ofício da latoaria está em vias de desaparecer da cidade quando esta oficina tiver de fechar portas”. 

Com o encerramento recente da antiga rodoviária de Setúbal, que trazia movimento à zona, o negócio ficou praticamente parado. “Passam-se semanas inteiras sem aparecer nenhum cliente”, diz, com amargura. O grande sonho de Jorge Varandas é ter um espaço maior, onde possa expor as suas peças e ensinar o ofício a quem queira aprender. Enquanto esse dia não chega, ocupa o tempo a ver televisão ou a dedicar-se a pequenos trabalhos artesanais — como um guarda-joias feito com fósforos, criado especialmente para uma das suas netas, que vive em Londres.  

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