Maria Alice

Gelados Caravela é um nome familiar em Torres Vedras. Sessenta e cinco anos de história, aliados a um serviço de excelência, ajudam a explicar o respeito granjeado entre os torrienses. Fundada em 1957, no centro da então vila de Torres Vedras, esta mercearia fina transformou-se, ao longo das décadas, numa verdadeira referência do comércio tradicional local. Por trás deste percurso de sucesso estão várias gerações da mesma família, que souberam manter viva a identidade e a qualidade que sempre distinguiram a Gelados Caravela.

Tudo começou quando Abílio Gonçalves visitou Torres Vedras para avaliar a possibilidade de abrir um novo negócio. O espaço disponível na Avenida 5 de Outubro — em frente à antiga central rodoviária e a poucos passos das escolas e da então Associação Física e Desportiva de Torres Vedras — convenceu-o a deixar Lisboa, onde já tinha tido vários negócios, e a mudar-se de armas e bagagens para Torres Vedras. Trouxe consigo a esposa e a afilhada, Maria Alice, que na altura tinha apenas 12 anos. “O meu padrinho aprendeu a fazer gelados com os italianos da gelataria A Veneziana, na Praça dos Restauradores”, conta Maria Alice, que trabalha na Gelados Caravela desde o primeiro dia. “Nunca saí daqui. Estudei na Escola Comercial, onde tirei o curso de Comercial. Quando faltava um professor, vinha para aqui; depois faltavam cinco minutos para a aula seguinte e voltava para a escola — andava num vaivém constante”, recorda. Com um sorriso, acrescenta: “Estive aqui catorze anos com os meus padrinhos, sem tirar um único dia de folga”.

Como o nome sugere, a Gelados Caravela começou por ser uma casa especializada em gelados. “Fomos os primeiros a trazer gelados para Torres Vedras”, recorda Maria Alice. No entanto, a novidade não foi imediatamente bem acolhida pela clientela local: “Foi preciso alargar a oferta, porque as pessoas não estavam habituadas a comer gelados”, explica. Aos poucos, o espaço foi-se transformando numa mercearia fina, recheada com queijos, enchidos, vinhos, frutos secos, azeites, conservas e muito mais — sempre com produtos de qualidade e, sempre que possível, de origem nacional. As frutas frescas, por exemplo, são maioritariamente fornecidas por produtores locais, com exceção das variedades tropicais, como manga ou kiwi. Outro dos ex-líbris da casa é a garrafeira, com especial destaque para os vinhos do Porto. “Temos desde 1900 até 2020 — vintages e colheitas de todas as marcas”, destaca Joaquim Manuel da Silva, casado com Maria Alice há 49 anos. Foi na própria loja que o casal se conheceu, quando Joaquim começou a trabalhar ali aos 22 anos. Desde a morte de Abílio Gonçalves, é ele quem assume, ao lado de Maria Alice, a gestão da Gelados Caravela. Se em tempos o movimento justificava uma equipa de dez pessoas, hoje são apenas os dois, com o apoio do filho mais novo, Pedro Estrela, atual gestor comercial.

Além dos gelados, há outro produto emblemático vendido na Gelados Caravela desde o dia da sua fundação: o famoso “cup”, uma verdadeira especialidade da casa. Segundo Maria Alice, a receita foi trazida pelo seu padrinho dos tempos em que trabalhou na Feira Popular. “Não tem segredo nenhum: é feito com vinho branco, vinho do Porto, ananás, sais minerais e outras coisas mais”, diz, com um sorriso maroto no rosto. “A bebida das senhoras que os homens também gostam”, nas palavras de Maria Alice, tornou-se um símbolo da loja e esteve na origem de uma tradição que perdura há cerca de três décadas. “Tudo começou em 1993, na véspera de Natal, com meia dúzia de torrienses que vieram beber ‘cups’”, conta Pedro Estrela. “Tinham combinado comprar prendas para as mulheres, mas foram ficando. As lojas começaram a fechar e um deles não comprou nada, acabando por comprar aqui um queijo Serra da Estrela”. Nascia assim um hábito criado pelos próprios clientes, passado de boca em boca e que hoje já atravessa gerações. Atualmente, são cada vez mais os torrienses que marcam encontro na “Caravela” para beber um “cup” — ou vários — e brindar à amizade, antes de se reunirem com as suas famílias para a noite de consoada.

No entanto, a altura do ano em que mais se consome esta bebida é o Carnaval. A Gelados Caravela sempre foi um ponto de paragem obrigatória para os foliões torrienses e, graças à música “Samba da Matrafona” — da autoria de Susana Félix, filha da terra —, a mercearia tornou-se ainda mais conhecida entre os milhares de visitantes que por ali passam nessa época do ano. “Ela tem hora de partida na Caravela”, diz a música, eternizando a ligação entre o Carnaval mais português de Portugal e a mercearia mais conhecida da cidade.

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