Lucília Leitão

Não é invulgar, para quem percorre o concelho de Mafra, deparar-se aqui e ali com plantações de limoeiros. Introduzida na região na década de 1930, a cultura do limão tornou-se, ao longo dos anos, uma das principais fontes de rendimento para muitos agricultores locais. Atualmente, estima-se que sejam produzidas cerca de cinco mil toneladas de limões por ano em Mafra, distribuídas por aproximadamente 180 hectares de cultivo.

A proximidade ao mar confere ao limão de Mafra características únicas. Verde ou amarelo, conforme a estação, distingue-se pela casca rugosa e espessa, que o protege dos ventos fortes vindos do Oceano Atlântico. O seu sabor ácido e aroma intenso correspondem àquilo que se espera de um bom limão. A epiderme rugosa, rica em bolsas de óleos essenciais, contribui para a sua suculência. No entanto, essa mesma aparência tem levado à sua desvalorização estética no mercado. Apesar disso, o limão de Mafra destaca-se pela sua qualidade excecional, conquistando consumidores em grande parte da Europa continental, em África e na América do Sul. A maior concentração de pomares de limoeiros no concelho encontra-se na zona do Sobreiro, entre Mafra e a Ericeira. É lá que Lucília Leitão, agricultora com 28 anos de experiência, cultiva cerca de 11 hectares dedicados à produção de limões.

Natural de Caeiros, no concelho de Mafra, Lucília Leitão não teve uma infância fácil. “A minha infância foi sofrida, com muito trabalho, mas pronto, a vida era assim naquela época”, recorda. Aos cinco anos, já peneirava a farinha no moinho do pai, que era moleiro de profissão. A partir dos dez, começou a acompanhar os pais na venda de pão e bolos pelas feiras da região saloia, como a Feira da Malveira e a Feira de São Pedro de Sintra. Cresceu a trabalhar em família e casou-se aos 17 anos. 

Há 34 anos, após a morte do pai, herdou duas pequenas parcelas de terreno — uma delas já com alguns limoeiros plantados. Algum tempo depois, sem experiência anterior na agricultura, decidiu dedicar-se ao cultivo do limão, começando a plantar mais árvores nos seus terrenos. 

Inicialmente, sem apoios nem subsídios, Lucília vendia os limões à porta de casa. A realidade começou a mudar quando foi convidada, juntamente com outros produtores locais, a juntar-se à Frutoeste – Cooperativa Agrícola de Hortofruticultores do Oeste, CRL. A partir desse momento, passou a encarar a agricultura com um novo olhar, mais consciente dos seus direitos e deveres como associada. Essa mudança de atitude deveu-se, em grande parte, ao conhecimento adquirido através dos muitos cursos e formações profissionais que frequentou ao longo dos anos. Lucília não tem dúvidas: o seu percurso como agricultora teria sido muito mais difícil sem o apoio da cooperativa. “As informações, os conhecimentos e até os apoios que a Frutoeste proporciona não estão ao alcance de um agricultor isolado”, afirma, com convicção. 

Há 28 anos como sócia da cooperativa, Lucília partilha regularmente o que sabe com outros agricultores. “Muitas vezes perguntam-me que produto uso para combater uma determinada praga. Mas, em vez de responder diretamente, faço perguntas: qual é o pH da água usada para pulverizar? O agricultor acompanhou o desenvolvimento da praga? A que horas foram pulverizados os limoeiros?” E exemplifica: “Se pulverizarmos durante o calor, as borboletas — que são a principal praga — estão escondidas à sombra. O produto seca rapidamente e, quando elas voltam a voar, já não faz efeito”. Para Lucília, é claro: “Os resultados não dependem apenas dos produtos que usamos, mas de todo o processo”.

Ao longo dos anos, Lucília foi adquirindo várias parcelas de terreno, umas maiores do que outras. Uma das mais recentes é uma quinta murada de quatro hectares, com portões e, segundo ela própria, um terreno “fantástico para trabalhar”.

Conhecida localmente como Cila dos Limões, Lucília afirma com simplicidade: “Quando me perguntam como consigo dar conta de tudo, digo que só aguento o que posso”. Para cuidar das suas terras, conta atualmente com o apoio de quatro trabalhadores. A sua rotina de trabalho ajuda a explicar como consegue manter cerca de 11 hectares de limoeiros. “Normalmente, saio de casa por volta das 8h da manhã. Nunca volto antes das 21h30, 22h. Não tenho sábados nem domingos”, afirma. Uma das maiores dificuldades que enfrenta é a dispersão das propriedades, que a obriga a deslocar-se constantemente de trator entre os terrenos. 

Além da escassez de mão de obra, Lucília tem ainda de lidar com outro desafio diário: o desperdício alimentar. Em tempos, esse desperdício representava até 25% da sua produção de limões — cerca de 50 toneladas por ano. No entanto, essa realidade começou a mudar desde que passou a colaborar com a cooperativa Fruta Feia, uma organização sem fins lucrativos que combate o desperdício alimentar. Sob o lema “Gente bonita come fruta feia”, a Fruta Feia nasceu em novembro de 2013 com o objetivo de ajudar agricultores de todo o país a escoar produtos que, por serem disformes ou “feios”, não têm lugar nas prateleiras dos supermercados. Hoje, a cooperativa tem 16 pontos de entrega de cabazes com produtos hortofrutícolas e trabalha com cerca de 350 agricultores, evitando que, semanalmente, cerca de 24 toneladas de alimentos acabem no lixo. Lucília foi uma das primeiras agricultoras a tornar-se sócia do projeto e, passados dez anos, continua a colaborar com a Fruta Feia todas as semanas.

Com uma vida marcada pelo trabalho, Lucília Leitão nunca teve um caminho fácil. Mas as dificuldades agravaram-se há 18 anos, quando o marido sofreu um acidente vascular cerebral e ficou em estado vegetativo. Segundo Lucília, ele nunca a apoiou na atividade agrícola: “O meu marido nunca pegou sequer numa caixa de limão”. Para além disso, deixou de trabalhar deixando dívidas que ela própria teve de saldar. “Houve uma altura em que, se tivesse quem me comprasse as telhas do telhado, teria vendido”, recorda. Ainda assim, foi na agricultura que encontrou forças para reerguer-se. “Consegui levantar a minha cabeça, sozinha”. Lucília tem três filhos, todos adultos e com vidas organizadas. “Quando preciso, peço-lhes ajuda e eles vêm”, diz. “Mas, acima de tudo, isto tem a ver comigo. Daí o orgulho que sinto por ter vingado na minha profissão”.

Para vingar como agricultora, Lucília Leitão enfrenta diariamente a discriminação de género. “Todos os dias me sinto discriminada por ser mulher num mundo de homens. É até castiço, mas nunca me intimidei por isso”, afirma com naturalidade. Há dois anos, decidiu tirar o curso de manobrador de tratores agrícolas. Entre os 18 alunos, era a única mulher. Mais recentemente, há dois meses, participou na renovação do cartão de aplicador de produtos fitofarmacêuticos, num grupo de 17 pessoas e, novamente, apenas ela como mulher. “Lido muito bem com isso. A vida sempre me ensinou a desenrascar-me”, diz Lucília, encostada ao trator que comprou há 10 anos e com o qual soma mais de mil horas de trabalho por ano.

 Atualmente com 67 anos, Lucília Leitão arrendou recentemente uma nova parcela de terreno, com um contrato de arrendamento válido por dez anos. Enquanto a saúde permitir, garante que continuará a exercer a profissão com orgulho. “Sou agricultora dos quatro costados. Tenho de dizer isto com orgulho, porque é assim que sinto”, afirma, enquanto corta ao meio um limão de Mafra.

Anterior
Anterior

Júlio Jorge

Próximo
Próximo

Padaria Celeste