Cristina Fachada
Em Almalaguês, freguesia do concelho de Coimbra, preserva-se uma arte ancestral cuja origem se perdeu no tempo. A tecelagem de Almalaguês é uma forma de artesanato que se distingue pela minúcia dos seus bordados, que reproduzem diversos motivos estilizados com o auxílio dos teares típicos da região. Durante muitos anos, era costume construir um tear para cada menina que nascia em Almalaguês. O som cadenciado dos teares ecoava em todas as ruas, denunciando o trabalho das tecedeiras nas suas próprias casas. Segundo um levantamento realizado em 2003, existiam então 95 teares em funcionamento, o que conferia a Almalaguês o título de “maior centro de tecelagem manual da Europa”. Passadas duas décadas, o cenário mudou: o barulho dos teares deixou de ser uma presença constante, muitas tecedeiras abandonaram a atividade e outras passaram a trabalhar apenas a tempo parcial, face à crescente falta de rentabilidade da profissão. Quem se manteve fiel à tradição teve de a reinventar, sem jamais trair a sua essência. É o caso de Cristina Fachada, tecedeira há mais de 40 anos e proprietária da única oficina de tecelagem ainda em atividade em Almalaguês.
Filha e neta de tecedeiras, Cristina Fachada não consegue precisar há quanto tempo a tecelagem está na sua família. “É uma história muito longa”, conta a artesã, que aos 13 anos começou a aprender o ofício com a mãe. Naquela época, “os tapetes saíam de Almalaguês às carradas”, e Cristina iniciava-se produzindo essas peças mais grossas, rápidas e fáceis de fazer, como explica, acrescentando: “Estar sempre a fazer a mesma coisa aborrecia-me bastante.” Aos 15 anos, deixou de trabalhar para outrem e passou a criar peças maiores e mais elaboradas, como as colchas — um dos trabalhos mais ricos deste artesanato. Alguns anos depois, já com casa própria e uma carteira de clientes, decidiu abrir a sua própria oficina de tecelagem, onde ainda hoje usa o tear que os pais lhe deram quando começou a tecer.
A sua primeira participação numa feira de artesanato aconteceu na sua terra natal, na II Feira Anual de Almalaguês, em 1999. Os elogios que recebeu pela distinção e inovação das suas peças deram-lhe motivação para continuar a representar o artesanato de Almalaguês em eventos por todo o país. Ao longo de mais de vinte anos, Cristina Fachada marcou presença em inúmeros eventos culturais, acumulando diversos prémios e reconhecimentos. Entre eles, destaca-se o Prémio de Mérito Empresarial, atribuído pela Junta de Freguesia de Almalaguês, em reconhecimento pela sua contribuição na dinamização artesanal e comercial da tecelagem local. Foi ainda uma das cinco finalistas do Prémio Nacional de Artesanato, na categoria Grande Prémio Carreira, e, em 2020, participou na final regional das 7 Maravilhas da Cultura Popular.
“Tudo começa na urdideira”, explica Cristina Fachada, referindo-se ao início do processo de tecelagem manual de Almalaguês. É neste aparelho que se realiza a urdidura, cujo objetivo é agrupar a quantidade desejada de fios, dispostos paralelamente e com o mesmo comprimento, formando a teia. Em seguida, a tecedeira enrola esses fios manualmente, formando um grande novelo chamado teada. O passo seguinte, conhecido como “aparelhamento da teada”, consiste em colocar a teada no tear — uma tarefa que envolve três pessoas. Através deste processo, a teada é passada, fio a fio, pelos liços e pelo pente, sendo depois presa ao órgão inferior do tear. Antes de começar a tecelagem propriamente dita, é preciso preparar o fio da trama. Para isso, fazem-se novelos de fio que são transferidos para as canelas com a ajuda do caneleiro. Durante a tecelagem, as peças ganham forma pelo entrelaçamento dos fios verticais da teia com os fios horizontais, movidos pelas lançadeiras. É possível criar bordados, usando técnicas como os “puxados”, ou outros trabalhos especiais, como os “gardanapados” e os “a olhos”. Para Cristina Fachada, “tecer não é assim tão complicado; o mais complexo é toda a preparação antes de chegar ao momento da tecelagem”.
Atualmente, Cristina Fachada possui três teares de diferentes tamanhos, que utiliza para criar peças inovadoras e versáteis, aplicando as técnicas centenárias da tecelagem de Almalaguês. Produz desde colchas, cortinados, toalhas, panos e tapetes até artigos menos comuns nessa arte, como boinas, sacos de pão e galhardetes de clubes portugueses. “As vendas da tecelagem de Almalaguês caíram bastante, mas nunca fiquei sem trabalho. Foi preciso inventar muito, resgatar técnicas antigas e adaptá-las, acrescentando pequenos toques de inovação”, revela a tecedeira, que possui Carta de Artesão e Carta de Unidade Produtiva Artesanal desde 2009. Além da variedade de cores e desenhos, as peças de Cristina Fachada são executadas com diferentes materiais — lã, trapos, algodão e linho, sendo este último o mais tradicional. Os seus clientes vão desde os mais antigos até aos mais jovens, atraídos pela inovação e beleza das suas criações, que podem ser adquiridas tanto no seu site — www.cristina-fachada.com — como na sua oficina em Almalaguês. Os trabalhos também estão disponíveis em várias lojas espalhadas pelo país e em alguns hotéis e casas de turismo rural.
Ao longo das últimas décadas, Cristina Fachada testemunhou diversas transformações no negócio da tecelagem em Almalaguês. “Hoje em dia, noto que as pessoas estão a voltar um pouco ao tradicional. Preferem peças duráveis, bonitas e com história. Não digo que vendo mais do que nos anos 80, mas, nos últimos 20 anos, as vendas caíram muito e até se deixou de falar da tecelagem de Almalaguês. Agora, as pessoas estão a olhar para o artesanato com outros olhos”, afirma, antes de acrescentar com entusiasmo: “Nunca tive outra profissão — e adoro aquilo que faço!”. Cristina partilha regularmente essa paixão com várias turmas escolares que visitam Almalaguês para conhecer o artesanato local, bem como através de formações realizadas na sua própria oficina. Como se lê num excerto do texto que acompanhou o Prémio de Mérito Empresarial que recebeu, o seu “inestimável contributo para o engrandecimento da freguesia de Almalaguês” manifesta-se diariamente — na oficina onde trabalha ou em qualquer lugar onde exista uma peça da sua autoria.