José Henriques

Foi no porto de pesca de Peniche que encontrámos José Henriques a arranjar as redes do barco Guerreiro do Mar. Enquanto cosia um pano de rede, foi-nos explicando as técnicas da arte do cerco e contando histórias da sua vida que se cruzam com a história de Peniche.

Nascido no seio de uma família muito pobre, a sua infância foi vivida com carências de toda a ordem, desde viver numa casa de madeira sem luz, que ficava alagada quando chovia, até ter de mendigar pão de porta em porta. “Na minha casa nunca se estragava pão, porque não havia para estragar”. Aos 14 anos, tirou a cédula marítima e começou a vida no mar. Iniciou-se na pesca à lagosta e, pouco tempo depois, já era responsável por coordenar e controlar a armação das redes de emalhar da embarcação onde trabalhava. Após cumprir o serviço militar na região de Lisboa, regressou a Peniche, casou-se e passou a dedicar-se à pesca do cerco na traineira Porto Mar. Mais tarde, integrou a tripulação da malograda Benito, que, na noite de 30 de setembro de 1977, perdeu o rumo devido ao denso nevoeiro e embateu contra as rochas junto ao Cabo Carvoeiro. Sete pessoas morreram nesse trágico acidente. José Henriques escapou por pouco: havia iniciado funções em terra como mestre de redes uma semana antes.

Depois disso, trabalhou na traineira Portugal Livre, mas a partir de 1986 nunca mais voltou ao mar. Ainda assim, nunca se afastou da pesca — não só porque a reforma é pequena e algum rendimento extra faz sempre falta, mas sobretudo porque gosta genuinamente do que faz.

Para ilustrar a precisão exigida na arte de armar uma rede, José Henriques recorre ao exemplo da profissão da sua mulher, que é costureira: “Se fizer umas calças e estiverem apertadas, não as consigo vestir. Assim é com isto: se a rede não estiver com as medidas certas, não se apanha peixe.” E acrescenta: “É preciso muitos anos disto. Não é em meses que se aprende a armar uma rede destas”.

Entre histórias do mar, José ia soltando anedotas e adivinhas, sempre com uma energia contagiante e uma boa disposição que não passa despercebida. Antes da despedida, fez ainda questão de cantar uma marcha de Carnaval escrita por si, cujo refrão dizia: “Peniche tu és a cidade que trago no coração”.

Anterior
Anterior

Xico Nico

Próximo
Próximo

Carlos “Perniças”