Filomena Grave

Nascida em 1968, Filomena Grave cresceu entre a aldeia de Lavandeira, no concelho de Vagos, onde nasceu, e Vale de Ílhavo, no concelho de Ílhavo. A sua ligação a Vale de Ílhavo — terra de padeiras — vem do lado materno, já que o avô ali viveu toda a vida. Filomena é filha, sobrinha e bisneta de padeiras e, apesar de ter crescido nesse ambiente, escolheu um caminho diferente: a cozinha. “Desde que me lembro de ser gente que gosto de cozinhar. Quando estava de férias da escola, a minha mãe ia vender o pão e dizia-me para fazer o almoço. A minha irmã ficava encarregue de tomar conta do pão. Até hoje isso mantém-se. Ela tornou-se padeira e eu sou cozinheira”, recorda Filomena, que aprendeu os primeiros ensinamentos da cozinha com a mãe e a bisavó. 

Com o tempo, foi aperfeiçoando as técnicas e desenvolvendo um estilo próprio. Durante mais de 25 anos, esteve à frente de um café em Vale de Ílhavo, onde os petiscos nunca faltavam para os clientes. O sonho de ter um restaurante próprio concretizou-se em outubro de 2019, numa casa recuperada pelo marido, João Grave. 

Situado no número 34 da Rua Nossa Senhora do Alívio, em Vale de Ílhavo, o restaurante de Filomena Grave — o Dona Mena — é uma casa portuguesa, com certeza! Desde a decoração ao ambiente, passando naturalmente pela comida, tudo no Dona Mena respira tradição e autenticidade. Com um estilo rústico, o espaço é simultaneamente castiço e acolhedor, convidando a uma refeição tranquila e cheia de sabor. Mas a verdadeira estrela da casa são os pratos preparados por Filomena Grave, uma cozinheira de mão-cheia, cuja dedicação e talento se refletem em cada detalhe.  

Uma das particularidades do restaurante Dona Mena está, curiosamente, na ementa — ou melhor, na ausência dela. “Temos alguns dias com pratos definidos, nos restantes é come e cala. É o que houver”, diz com humor Filomena Grave.  As únicas exceções são as quintas e sextas-feiras, dias em que os pratos são fixos.

À quinta-feira, serve-se o famoso cozido no pão, uma das especialidades da casa. A inspiração para esta iguaria surgiu durante uma visita às Furnas, na ilha de São Miguel. “O meu marido viu o cozido de lá e teve a ideia de fazer o cozido dentro do pão. Eu achava que não ia resultar, mas hoje em dia é um sucesso. Se fizesse todos os dias, tinha sempre a casa cheia”, conta Filomena, enquanto prepara os ingredientes que vão rechear o pão ázimo — um tipo de pão assado sem fermento. Na véspera, trata das carnes e dos legumes, deixando tudo pronto para, às cinco da manhã, apenas acender o forno e começar a montar os cozidos. Os ingredientes são, na sua maioria, produtos endógenos dos concelhos de Ílhavo e Vagos. Cerca de duas horas depois de iniciada a preparação, os cozidos — que incluem todos os elementos tradicionais de um cozido à portuguesa — são colocados no forno a lenha. Por volta das 13h, chegam às mesas, prontos a serem saboreados. Quando se retira a “tampa” do pão, percebe-se de imediato por que razão este prato ganhou fama. O aroma envolvente, a apresentação apetitosa e o sabor rico das carnes tenras e dos legumes suculentos fazem do cozido no pão do Dona Mena uma verdadeira atração gastronómica, com a assinatura inconfundível de Filomena Grave. 

À sexta-feira, tudo gira à volta do bacalhau — ou, mais precisamente, dos seus derivados. Chora, boininhas, línguas, caras fritas, feijoada de samos e pataniscas são algumas das iguarias típicas da região de Ílhavo que Filomena Grave prepara com mestria. Estas receitas têm raízes profundas na faina maior, como era chamada a dura faina da pesca do bacalhau, realizada por navios portugueses nos mares gelados da Terra Nova e da Gronelândia. A chora, por exemplo, é uma sopa feita com cabeças de bacalhau, servida tradicionalmente a bordo dos navios bacalhoeiros. Era o conforto possível após longas horas de trabalho pesado — pescar, escalar e salgar o bacalhau. Hoje, esse prato de origem humilde ganha nova vida na cozinha de Filomena, preservando a memória e o sabor da herança marítima portuguesa.

 Nos dias em que impera a regra do “come e cala”, as refeições são decididas em função dos ingredientes disponíveis no momento. “Quando vou para a cozinha é que resolvo”, afirma Filomena, antes de enumerar alguns dos pratos que mais gosta de preparar: “Arroz com molho negro de galo, robalo assado no forno, chanfana de carneiro, cabidela de leitão, rojões, bacalhau com broa...”. O espírito da casa está também espelhado num cartão pendurado à janela, onde se lê: “Entrada: Família. Prato Principal: Amigos. Sobremesa: Alegria. Preço: Não há dinheiro que pague”. Às segundas-feiras e aos domingos, a porta está fechada. “Trabalhei muitos anos de segunda a segunda. Agora fechamos dois dias”, diz a proprietária, com a tranquilidade de quem aprendeu a valorizar o tempo e o descanso.

Além de Filomena Grave, o restaurante Dona Mena conta com o apoio de vários membros da família. João Grave, o marido, e Susana Sacramento, a afilhada, trabalham a tempo inteiro ao seu lado. A filha e os irmãos ajudam sempre que podem, e, ocasionalmente, um ou outro amigo próximo também dá uma mão. O ambiente familiar é, aliás, uma das marcas da casa. 

Há dois anos, Filomena foi surpreendida com a distinção de Profissional do Ano, atribuída pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP). No momento da entrega do prémio, foi dito que a cozinheira “representa todos os valores e características da mulher portuguesa, pela sua luta e determinação contra todas as adversidades, e que se ergueu a partir da sua entrega e dedicação ao setor da restauração”. “Não estava à espera, nem de longe nem de perto”, confessa Filomena, que já foi também distinguida pelo Rotary Club de Ílhavo, como “testemunho do seu elevado mérito no exercício da sua profissão”, e pelo Comité Gastronómico do Norte, pelo “engrandecimento e preservação da cozinha tradicional portuguesa”. Além de cozinheira e empresária, Filomena Grave foi, durante seis anos, vice-presidente da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas e é uma das fundadoras da Confraria “As Sainhas”, cuja missão é dignificar a gastronomia tradicional portuguesa, com especial enfoque na de Vagos.

No restaurante Dona Mena, a porta da cozinha está sempre entreaberta — não apenas para os cheiros que se espalham pela sala, mas também para quem entra apenas para dar dois dedos de conversa com Filomena. “Costumo dizer que não tenho um restaurante — isto é a minha casa, só não durmo cá”, diz, sorridente. “A maior parte dos meus clientes considero como família. Os que não conheço muito bem, passo a conhecer. Gosto que as pessoas se sintam em casa”, afirma, enquanto serve mais um cozido no pão.

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