João Benevides

Natural de Lagoa, cidade situada na costa sul da ilha de São Miguel, João Benevides representa a quarta geração de uma família de ferreiros ferradores. A arte da forja está presente na família Benevides desde o século XIX, quando o bisavô de João — que partilha o mesmo nome do bisneto — fundou a Tenda do Ferreiro Ferrador, na esquina da Avenida Infante D. Henrique com a Avenida Conselheiro Poças Falcão, no centro de Lagoa. Três gerações depois, João Benevides assumiu o negócio familiar, onde trabalhou cerca de quatro décadas e meia, até que em 2009 foi obrigado a reformar-se por invalidez, devido a uma lesão nas costas.

João tinha apenas 13 anos quando deixou a escola para trabalhar na oficina da família, contrariando a vontade do pai, que queria que ele continuasse os estudos. Naquela época, as oficinas de ferreiro — mais conhecidas por tendas, um termo usado desde a Idade Média — eram comuns em toda a ilha de São Miguel. Só em Lagoa, havia cinco tendas em funcionamento. A oficina da família Benevides sempre foi a maior da vila, se não da ilha, chegando a empregar cinco pessoas simultaneamente. “Os bois e cavalos faziam fila pela rua fora”, recorda João Benevides, acrescentando: “Fazíamos e pregávamos as ferraduras, por isso somos ferreiros ferradores. O ferreiro fabricava as ferraduras e o ferrador pregava-as nos cascos dos cavalos e bois”.  

Num tempo em que os transportes de tração animal eram abundantes, e a produção de ferraduras, canelos e aros de ferro para as rodas das carroças e carros de bois era necessária em grande escala, a Tenda do Ferreiro Ferrador era uma das casas mais movimentadas da então vila de Lagoa. Além de ser um espaço de trabalho, a oficina funcionava também como local de convívio para os camponeses em dias de chuva, que se reuniam ali “em vez de estarem nas tabernas”, conta João. Enquanto conviviam, acompanhavam a ferragem dos animais e a fabricação de inúmeros instrumentos agrícolas e utensílios domésticos. A tenda da família Benevides, assim como outras oficinas de ferreiros, era ainda procurada para o tratamento de zona, também conhecido como herpes zóster. As lesões cutâneas causadas por esta doença eram tratadas com óleo de trigo queimado na forja pelo ferreiro, que, ao aplicar esta técnica de medicina popular ancestral, assumia um papel terapêutico.

Ao longo do século XX, a modernização da agricultura e a crescente industrialização provocaram o encerramento progressivo e inevitável das tendas de ferreiro. A Tenda do Ferreiro Ferrador manteve-se em funcionamento até ao século XXI, encerrando apenas em 2009, quando João tinha 58 anos. “Hoje, se pudesse, ainda trabalhava, mas a coluna já não deixa”, lamenta o último ferreiro ferrador da família Benevides.

Há cerca de seis anos, a Tenda do Ferreiro Ferrador ganhou uma nova vida com a criação de um núcleo museológico nas instalações da oficina, integrando a rede do Museu de Lagoa – Açores. “Nunca pedi à Câmara Municipal para transformar isto num museu. Foi iniciativa deles. Como era a única tenda que existia, quiseram preservar, e eu concordei”, explica João, orgulhoso pelo reconhecimento. “Disse que tinha muito orgulho que fizessem um museu para mostrar o que eu e os meus antepassados fazíamos aqui”, conclui, enquanto mostra uma série de ferramentas fabricadas pelo seu avô. “As ferramentas da oficina sempre passaram de pai para filho. O meu avô ofereceu todas as ferramentas ao meu pai, que depois me ofereceu a mim. Todas as ferramentas que estão aqui dentro são para o meu filho, que é o único que sabe trabalhar na família”, diz João, referindo-se ao filho que, devido à falta de trabalho, teve de seguir um caminho profissional diferente do dos seus antepassados.  

A Tenda do Ferreiro Ferrador do mestre João Benevides está atualmente aberta a visitas de segunda a sexta-feira, sendo frequentemente visitada por turistas portugueses e estrangeiros, assim como por várias escolas da região. Nesta oficina do século XIX, os visitantes podem conhecer todos os artefactos utilizados na arte de ferreiro ferrador e assistir à produção de algumas peças em ferro. Além disso, é possível aprender sobre a história e o legado da família Benevides e do último mestre ferreiro de São Miguel, João Benevides. “Tanto faz se ligam de manhã ou à tarde, o meu contacto está na porta. É só darem um toque e eu apareço logo”, afirma João, concluindo: “Costumo dizer que quem corre por gosto não cansa”.

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