José Sá
José Sá nasceu há 79 anos na freguesia da Candelária, no concelho de Ponta Delgada. Aos cinco anos, mudou-se com a família para a freguesia vizinha das Feteiras, onde vive desde então. Foi lá que, ainda em jovem, começou a aventurar-se no mar. “Desde criança, o que eu queria era o mar”, conta José, sublinhando que “ninguém na família” tinha qualquer ligação ao oceano. Naquela época, “não havia mergulhadores”, recorda. “O primeiro que vi mergulhar por aqui era um sargento que vinha com uma espingarda para apanhar peixe. Adorava ver o que ele apanhava”, relembra José, acrescentando: “Fiquei com aquilo na cabeça e pensava: ‘Tenho que mergulhar’”.
Depois de aprender a nadar, José não tinha dinheiro para comprar o equipamento necessário. “Fui criado pobre. Acabei por conseguir comprar uma máscara com tubo e comecei a mergulhar, sem barbatanas. Não havia fatos de mergulho — era em calções e de tronco nu”, conta. Aos 14 anos, comprou finalmente umas barbatanas e dedicou-se à apanha de lapas. “Ia vender lapas. Toda a gente comprava, era barato. Ganhei bom dinheiro assim”, lembra. Mais tarde, foi chamado para cumprir o serviço militar obrigatório, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira.
Casou-se aos 25 anos e, logo após o casamento, fez questão de comprar o seu primeiro fato de mergulho. “Vendi um porco para comprar o fato. Antes, só aguentava meia hora na água por causa do frio. Com o fato, passava horas lá dentro, ia onde queria, descobria mares onde nunca tinha ido”, diz, orgulhoso. Foi também por essa altura que comprou a casa onde vive e o terreno em volta. Durante muitos anos, José e outros mergulhadores deslocavam-se em camionetas até sítios como os Mosteiros ou as Capelas. “Foi nos Mosteiros que aprendi a olhar para o tempo e a perceber quando se podia ir ao mar. Aprendi com pescadores mais velhos”, explica, reconhecendo que “demorou a aprender sobre os ventos”. Já com uma mota, chegou a fazer duas viagens por dia até às Capelas para apanhar lapas, passando cerca de quatro horas dentro de água em cada ida — uma rotina difícil, especialmente nos dias frios de inverno.
Quando as lapas começaram a escassear, virou-se para os polvos. “Andava com o puxeiro e, se visse um polvo, apanhava, mas procurar mesmo era só pelas lapas. A lapa a gente sabia onde estava, o polvo tem que se procurar muito, e nem sempre se encontra”, conta. Com células cerebrais espalhadas por todo o corpo, o polvo é uma criatura extraordinária, e não apenas pelos seus oito membros, três corações, sangue azul ou capacidade de camuflagem. Quando se desloca no fundo do oceano, o polvo deixa marcas que os mergulhadores experientes, como José Sá, conseguem identificar. “Quando o mar amansa, nascem algas nas pedras pequenas. O polvo, ao passar, vira algumas dessas pedras para se alimentar. Essas pedras, ao serem viradas, ficam brancas, sem algas — é assim que sabemos por onde ele andou”, explica José, que possui licença para a apanha de polvos há várias décadas.
Amante da caça, dentro e fora de água, viajava com frequência para outras ilhas dos Açores, como o Pico ou São Jorge, para caçar coelhos. “Ia com um grupo de amigos, mas para o mar ia sempre sozinho. Apanhava polvos para vender e enchia arcas grandes, que depois vendia cá”, conta, destacando São Jorge como a ilha de que guarda as melhores recordações. “Fui lá duas vezes por ano, durante sete anos. Vendia os polvos cá e voltava para apanhar mais”.
Além das lapas e polvos, também apanhava peixe, como bicudas e lírios, para vender na lota. No entanto, a captura de cavacos era a sua atividade preferida. “Quando chegava a altura dos cavacos, não dormia na noite anterior. Apanhava tantos naqueles baixios dos Mosteiros”, conta, acrescentando que “às vezes também ia às cracas”. “A minha vida foi feita no mar”, resume José, que se dedicava ao trabalho nas suas terras quando o mar estava mais agitado.
Ao longo dos anos, sempre gostou de ensinar os mais novos a pescar — algo que muitos colegas evitavam. “Com a experiência que tenho, basta olhar para o mar. Ele dá logo sinal quando vai levantar”, afirma com convicção.
Hoje, aos 79 anos, já não se aventura tanto no mar, mas ainda faz caça submarina quando o mar está “bem mansinho no verão”. Fica satisfeito por “apanhar meia dúzia de peixes” para a refeição em família. “Já é bom, na minha idade”, diz, consciente de que será, provavelmente, um dos mergulhadores mais antigos dos Açores. Atualmente, passa grande parte do seu tempo a cuidar das terras, a manter um moinho que serve como alojamento local, e a fazer trabalhos em pedra, uma atividade que sempre apreciou. A sua forte ligação ao mar prolonga-se na nova geração, através da empresa da família, Terra do Pico, dedicada à observação de baleias, com sede nos Mosteiros. “Há mais de seis meses que não vou à água”, confessa, ansioso por voltar a fazer o que mais gosta: mergulhar.