João e Douvina Fernandes
João e Douvina Fernandes são um casal de São Mamede, no concelho do Bombarral, que mantém vivos dois ofícios em vias de extinção. Ele é encadernador, ela modista, e ambos partilham uma paixão profunda pelas artes que praticam. Tanto assim é que, após muitos anos a trabalhar por conta de outrem nas respetivas áreas, decidiram abrir os próprios ateliers, adaptando duas divisões da casa onde vivem: uma transformou-se em oficina de encadernação, a outra num atelier de costura.
João Fernandes tinha apenas doze anos quando foi trabalhar para um restaurante no Bairro Alto, em Lisboa. A alternativa seria trabalhar no campo para ajudar a família. Com o coração apertado, os pais deixaram-no partir, na esperança de que pudesse construir uma vida melhor. A paixão pela encadernação só surgiu quatro anos depois, quando decidiu encadernar uma coleção de revistas de banda desenhada e se dirigiu a uma empresa de encadernação na zona onde vivia. Ficou imediatamente fascinado pela possibilidade de encadernar as suas próprias coleções. Começou a frequentar o espaço nos tempos livres, curioso por saber como se fazia, e rapidamente ganhou gosto pelo ofício.
Antes de cumprir o serviço militar obrigatório em Angola, trabalhou durante algum tempo nessa empresa como encadernador, uma experiência que viria a revelar-se determinante no seu percurso profissional. De regresso a Portugal, João foi trabalhar como encadernador numa tipografia em Caldas da Rainha, função que desempenhou durante vários anos. Mais tarde, passou por outra tipografia, onde se manteve até à reforma. Ao longo da carreira, assinou inúmeros trabalhos, mas dois em particular destacam-.se entre os demais: um álbum em caixa de veludo azul, com fotografias das Caldas da Rainha, oferecido ao príncipe Carlos de Inglaterra; e uma pasta em estopa cinza, com imagens de Santo António, destinada ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Douvina Fernandes também iniciou o seu percurso profissional muito jovem. Com apenas quinze anos, fez um curso de corte e costura em São Mamede, onde aprendeu as bases da costura. No entanto, sentia que ainda não estava preparada para trabalhar como modista por conta própria. Com o apoio do irmão, convenceu o pai a deixá-la aprofundar os seus conhecimentos num atelier em Caldas da Rainha. “Foi lá que aprendi a fazer de tudo”, recorda, num misto de orgulho e nostalgia.
Ao longo dos anos, Douvina Fernandes criou inúmeros modelos de vestuário feminino, com especial destaque para vestidos de noiva e “toilettes”. Explica que o seu processo criativo exige concentração e empatia: “Tenho de estar muito concentrada a desenhar o vestido. É preciso gostar do que se está a fazer e imaginar a peça no corpo de quem a vai vestir. Só assim tenho a certeza de que a cliente vai gostar do modelo que idealizei”. O rigor e a dedicação valeram-lhe uma vasta clientela, incluindo várias figuras da alta sociedade. Hoje, com uma vida inteira dedicada à arte da costura, continua a receber clientes de diferentes pontos do país no seu atelier, em São Mamede. Além da costura, Douvina cultiva o gosto pela escrita. Gosta de partilhar memórias e pensamentos, tendo já escrito três livros sobre a sua família e as suas raízes — obras que, como não podia deixar de ser, foram encadernadas pelo marido.