Vítor Marques

Nascido em 1956, no antigo hospital da vila de Sintra, Vítor Marques vive há 67 anos na “terra mais bela do mundo”, como gosta de dizer. “Quando era miúdo, ia explorar a serra com os meus amigos e, às vezes, ficava pregado. Enquanto eles continuavam, eu ficava parado a olhar para a minha terra lá em baixo e o orgulho subia por mim acima”, conta Vítor sobre o início da sua paixão por Sintra. Por essa altura, também começou a despertar em si outro sentimento: a revolta. “Ficava revoltado com as injustiças que Sintra sofria. Achava que esta terra era bela demais, mas também era muito mal tratada pelo Estado português”, diz, enquanto contempla o Palácio Nacional de Sintra, carinhosamente conhecido como Palácio da Vila.

Já enquanto adulto, Vítor Marques trabalhou na Câmara Municipal de Sintra durante alguns anos, até que uma gravura da sua terra o fez mudar de vida. “Meti uma gravura de Sintra antiga na janela e alguns turistas quiseram comprá-la. Disse para a minha mulher: ‘Isto se calhar vende-se’”, conta, concluindo: “Despedi-me da câmara e fui vender gravuras para a escadaria do Palácio da Vila”. O negócio começou por correr tão bem que Vítor foi convidado a abandonar o local, visto que o seu negócio começava a entrar em conflito com os interesses comerciais dos guias do Palácio da Vila. Pegou nas caixas com gravuras de Sintra antiga, que comprava regularmente, e foi para o Parque da Pena. Junto ao Palácio com o mesmo nome, Vítor colocou as gravuras no chão e os turistas começaram a comprar. “O negócio dos ‘souvenirs’ de Sintra estava muito mal explorado. Os fornecedores chegavam com porta-chaves de Cascais, de Lisboa, mas de Sintra não havia nada”, conta, acrescentando: “Os turistas viam uma gravura de Sintra e compravam”. O êxito nas vendas também não foi visto com bons olhos por parte dos guias do Palácio da Pena, que impediram Vítor de continuar com o seu negócio no interior do parque. “Um dos guardas-florestais que eu conhecia disse-me para ir vender as gravuras para o Castelo dos Mouros, ao menos lá ninguém me expulsava”, diz, lembrando que este castelo estava “completamente abandonado”.

O Castelo de Sintra, popularmente conhecido como Castelo dos Mouros, foi o local de trabalho de Vítor Marques durante 20 anos. Foi lá que montou uma banca com artigos turísticos que, além de vender gravuras, também tinha outros “souvenirs”, como postais e pratos com imagens de Sintra. Ao longo dos anos em que trabalhou como vendedor ambulante, o sentimento de revolta foi crescendo dentro de Vítor. “O Castelo dos Mouros era lixo do Estado. As pessoas iam para lá fazer fogueiras e dormir. Quando os turistas chegavam de manhã, tinham de passar por cima do lixo. Também havia muito vandalismo”, recorda, acrescentando que, para isso, muito contribuía o facto de o castelo “estar aberto 24 horas e não ter segurança”. “Os turistas chegavam ao castelo e diziam que a minha terra era o lugar mais belo do mundo, mesmo abandonado como estava. Isso tornou-me cada vez mais apaixonado, mas também cada vez mais revoltado com as injustiças que presenciava”, diz Vítor que, por essa altura, criou o grupo Amigos do Castelo dos Mouros, que visava fazer pressão junto da Câmara Municipal de Sintra para que o castelo fosse protegido. “Tomei conta do Castelo dos Mouros, como voluntário, durante 20 anos”, conta, sem esconder o orgulho. Na sua luta pela defesa deste monumento, que data do século VIII, Vítor fez um pouco de tudo, desde limpar o castelo até colocar uma bandeira nacional na torre real aos domingos. “Quando ia pôr a bandeira, olhava para o castelo e sentia que ele me estava a agradecer. Pode parecer estranho, mas era o que sentia”, lembra, antes de acrescentar que gastou muito dinheiro em bandeiras, já que estas se desgastavam muito rápido com o vento forte que se faz sentir na serra.

A luta de Vítor Marques não se ficou pelo Castelo dos Mouros. Como colaborador do Jornal de Sintra, escreveu inúmeros artigos a “castigar quem deixava uma terra destas abandonada”, apelando à preservação de monumentos históricos como o Palácio de Monserrate ou o Chalet da Condessa d’Edla. Além dos artigos de jornal, chegou a colocar letreiros na vila a denunciar os crimes cometidos contra Sintra e a fazer “discursos na assembleia municipal a explicar aos mais distraídos que o meu lugar era dos mais belos da Terra”. “Em 2000, de tanto gritar e explicar o que Sintra precisava, nasceu a Parques de Sintra-Monte da Lua (PSML)”, diz Vítor, referindo-se à empresa criada para salvaguardar e valorizar a Paisagem Cultural de Sintra. Vítor considera que esse momento simboliza “a chegada da democracia” a Sintra, 26 anos depois de ter chegado ao resto do país. Este ano, a Parques de Sintra-Monte da Lua venceu, pelo 11º ano consecutivo, o World Travel Award para “Melhor Empresa do Mundo em Conservação”, tendo já sido responsável pela recuperação e restauro de vários monumentos em Sintra.

Enquanto lutava contra ventos e marés, Vítor Marques foi alargando o leque de produtos vendidos na sua banca, assim como também foi refinando as técnicas de venda. “As gravuras que vendia eram de Sintra do século XIX. Quando dizia aos turistas que as gravuras eram do tempo em que Lord Byron esteve em Sintra, as pessoas abriam os olhos e ficavam mais interessadas. Comecei a perceber que isso também me ajudava no negócio”, conta Vítor, revelando que colocou um toldo com a inscrição “Lord Byron” sobre a sua banca. George Gordon Noel Byron, conhecido como Lord Byron, foi um dos mais destacados poetas de língua inglesa e uma figura central do movimento romântico do século XIX. Após uma curta passagem por Portugal, em julho de 1809, Lord Byron eternizou Sintra em verso no poema Childe Harold’s Pilgrimage, parte do qual terá sido escrito no histórico Hotel Lawrence. “Antes da UNESCO classificar Sintra como Património Mundial, em 1995, já o Byron tinha levado a minha terra para todo o mundo”, diz Vítor que, por este motivo, decidiu homenagear o poeta inglês atribuindo o seu nome à banca de artigos turísticos que geriu no Castelo dos Mouros.

Em 2005, cinco anos depois da Parques de Sintra-Monte da Lua ter sido criada, Vítor Marques desmontou a sua banca no Castelo dos Mouros e abriu o Cantinho do Lord Byron, na Rua da Ferraria, em plena Vila Velha de Sintra. “Trouxe o Lord Byron cá para baixo”, diz, orgulhoso por continuar a prestar tributo ao poeta que considerou a sua terra um “Éden glorioso”. Ao longo dos anos, Vítor transformou um espaço que já pertencia à família numa das atrações turísticas da vila de Sintra. Decorado com elementos que remetem ao poeta inglês, o Cantinho do Lord Byron tem “uma das fachadas mais fotografadas da vila”, segundo o seu proprietário. “É mais uma atração que os guias turísticos têm para mostrar aos turistas fora do Palácio da Vila. Param na Fonte da Pipa, param no Miradouro da Ferraria, param na Fonte da Sabuga, param no Lawrence’s Hotel, param no Beco da Judiaria, têm muitos sítios para parar antes de entrarem no Palácio da Vila. O Cantinho do Lord Byron é mais um”, diz Vítor, antes de atender os primeiros clientes do dia. Mais do que uma casa de tapas e petiscos, o Cantinho do Lord Byron é a “continuação de uma luta por Sintra”, sendo também a sede dos Amigos da Vila Velha, um grupo criado por Vitor Marques “com preocupações ao nível da reabilitação do património e mística de Sintra”. Aos 67 anos, o proprietário do Cantinho do Lord Byron continua vigilante, zelando pela causa da sua vida: a vila de Sintra.

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José Henriques