José Henriques

A cestaria é um dos ofícios mais enraizados na cultura popular portuguesa. A presença do vimeiro ou salgueiro em grande parte do território português levou à disseminação desta arte, que utiliza o vime como matéria-prima. Até meados do século passado, a cestaria era considerada indispensável à vida rural, especialmente à agricultura. Desde as canastras usadas para a vindima ou para a apanha da azeitona até aos cestos da merenda, a agricultura permitiu que a cestaria fosse passando de geração em geração. Com o aparecimento do plástico, os cestos foram perdendo a sua utilidade prática original enquanto utensílios de transporte, sendo substituídos por baldes e outros objetos de plástico. Desde então, muitos cesteiros abandonaram a profissão e seguiram outros caminhos. Os que ficaram tiveram que se reinventar, passando a privilegiar o lado decorativo dos cestos e fazendo outro tipo de peças, como cadeiras e cómodas. Hoje em dia, a cestaria continua a existir graças a alguns artesãos que teimam em manter viva esta arte ancestral. Um desses artesãos é José Henriques, cesteiro há cerca de 50 anos.

Nascido em 1949, num lugar chamado Aderneira, à beira do rio Zêzere, José Henriques teve que se despedir do local em que nasceu na infância. Com a construção da barragem de Castelo de Bode, foram várias as aldeias que ficaram totalmente submersas, como é o caso da aldeia de Aderneira. “Quando a barragem encheu, os meus pais tiveram que se mudar para aqui”, diz o artesão, a residir em Ferreira do Zêzere há quase 70 anos.

A cestaria esteve sempre presente na vida de José Henriques. Filho de Ramiro António, mais conhecido como Ramiro Cesteiro, José Henriques começou a trabalhar com o pai aos 8 anos, fazendo os fundos para os cestos. “Aprendi a arte com o meu pai, ele não me deixou aprender outra profissão”, diz, lembrando que começou a trabalhar a tempo inteiro após terminar a escola primária. O início do seu percurso profissional coincidiu com a crise provocada pela revolução do plástico. José Henriques ainda trabalhou na oficina do pai até aos 17 anos, altura em que decidiu mudar de vida. “Tinha uma irmã em Angola e escrevi-lhe a perguntar se me conseguia arranjar trabalho lá. Ela disse que sim e eu fui. Estive lá quase três anos a trabalhar em hotelaria” conta José Henriques. Depois de Angola, seguiu-se a Guiné, onde serviu o país na Guerra do Ultramar. Quando terminou o serviço militar, em 1970, decidiu emigrar para França, mais concretamente para Sochaux. Na cidade francesa onde nasceu a Peugeot, José Henriques trabalhou, durante 8 anos, naquela que é a mais antiga fábrica de automóveis no mundo, ainda em atividade. “Entretanto, já tinha a minha casa quase feita, em Ferreira do Zêzere, e já tinha amealhado uns trocos, disse à minha mulher que íamos voltar para Portugal”, conta, concluindo o resumo da sua vida de emigrante.

Após regressar a Ferreira do Zêzere, ainda trabalhou algum tempo como viajante de uma firma da região, a Sicarze, até que a cestaria voltou a entrar na sua vida. “O meu pai ainda tinha a oficina em casa e voltei a fazer umas coisas para me entreter. Comecei a fazer peças diferentes porque já não se vendiam cestos para a agricultura. A minha mulher começou a levar um cestinho feito por mim para trazer as compras, mas nunca o trazia. Trazia o dinheiro do cestinho que tinha vendido. Às tantas, comecei a receber muitas encomendas e pensei: ‘Se calhar até me safo com isto’”. Foi assim que, em 1980, José Henriques voltou a dedicar-se à cestaria.

“Quando comecei, fui ao encontro daquilo que as pessoas procuravam”, conta, acrescentando que foi sempre essa a sua prioridade. Tal como o pai, José Henriques tornou-se participante assíduo de algumas feiras de artesanato, que utiliza como montra para os seus produtos. A Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde, o maior evento do género realizado em Portugal, é uma das feiras em que participa há mais de 30 anos. “Fiz feiras de artesanato no país inteiro”, diz José Henriques que, atualmente, apenas participa nas feiras de Vila do Conde, Estremoz e Torres Novas, assim como nas feiras do seu concelho. Ao longo da carreira, o artesão sempre procurou fazer formações, através do centro de emprego, para adquirir competências em áreas complementares ao seu negócio de cesteiro. Exemplo disto é o curso de Conservação do Património Cultural ou o curso de Marketing que tirou na década de 1990. Além das formações, José Henriques foi reunindo um conjunto de revistas internacionais especializadas em cestaria, que serviram várias vezes de inspiração para peças que criou, apesar de garantir que “nunca as fazia iguais às das revistas”.

A experiência e o conhecimento adquiridos ao longo dos anos permitem-lhe dizer: “Consigo estar um ano a trabalhar, todos os dias, sem repetir uma peça”. Para sustentar esta afirmação, José Henriques apresenta uma lista de produtos criados por si: “Cestos do pão, cestos de roupa, tabuleiros, cadeiras, cestos de lenha, cestas de piquenique, cabazes, fruteiras, empalhamentos de garrafões e garrafas, cestos para bicicletas... além de que faço diferentes tamanhos da mesma peça”. O artesão lembra-se de já ter recebido encomendas grandes para decoração de restaurantes e casas particulares, mas também alguns pedidos invulgares, como um carrinho de mão, em tamanho real, para decoração de um restaurante. Tendo sempre vendido as suas peças diretamente ao público, José Henriques passou a ter alguns clientes de revenda durante a pandemia, altura em que as feiras foram suspensas. As lojas de artesanato regional com as suas peças estão em três localidades portuguesas: Sertã, Vila Nova de Poiares e Torres Vedras. Além das feiras e das lojas, os trabalhos de José Henriques podem ser vistos e comprados na sua oficina em Ferreira do Zêzere.

Apesar de comprar quase todo o vime que utiliza no seu trabalho, sendo esta matéria-prima importada do Chile, o cesteiro ainda obtém uma pequena parte através de agricultores da região. Segundo José Henriques, “o vime é todo cortado em janeiro, de preferência, e depois seleciono uma parte para cozer. O vime que não vai para cozer, chamado vime cru, põe-se o pé na água e enraíza novamente. Na primavera, aparecem as folhas e está na altura de retirar a casca, ficando branco. O vime que vai para cozer, passa por um processo mais complexo. Durante dez horas, é cozido em água a ferver com a casca, que transmite uma tonalidade castanha ao vime. Depois de cozido, é retirada a casca e coloca-se a secar à sombra. Posteriormente, o vime é armazenado até à altura de ser usado”. Antes de converter o vime em arte, José Henriques coloca a matéria-prima em água durante vinte dias, a fim de torná-la mais flexível e fácil de manusear.

“Esta arte é 99% manual. Se tivesse que a classificar, diria que é artesanato quase puro”, diz o cesteiro, antes de mostrar a máquina de desfiar o vime, a única utilizada em todo o processo de criação. Embora utilize algumas ferramentas no dia a dia, as mãos ásperas e calejadas de José Henriques são o seu principal instrumento de trabalho. Com elas, cria uma infinidade de peças, apenas recorrendo às seguintes ferramentas: rachadeira, alicate, torquês, martelo, estacas e tesouras. “A maioria das ferramentas que utilizo foram fabricadas por mim”, diz, enquanto trabalha o vime com as mãos. O tempo de confeção das peças pode variar entre duas horas, para um cesto dito comum, e dez horas, para construir uma cadeira. Segundo José Henriques, um dos segredos do seu sucesso enquanto artesão, está na “agilidade das mãos”, que é fundamental para rentabilizar o seu tempo de trabalho. Além da destreza manual, o cesteiro considera que para abraçar esta profissão, “é necessário, acima de tudo, gostar muito do que se faz”.

Se há 60 anos a cestaria estava em crise, o que levou José Henriques a emigrar, hoje “está a ressurgir”, nas palavras do artesão. “As pessoas chegaram à conclusão que têm de fazer algo pelo ambiente. O vime é uma matéria-prima que vem da terra e vai para a terra, sem deixar qualquer vestígio”, diz o cesteiro que, há mais de 40 anos, faz os cestos da Festa dos Tabuleiros de Tomar. “Atualmente, os trabalhos de cestaria têm muita procura”, diz, reconhecendo que isso sucede porque existem poucos artesãos, apesar de haver “muita gente nova a querer aprender, às vezes como forma de terapia”.

Prestes a completar 75 anos, o último cesteiro do concelho de Ferreira do Zêzere vai continuar a trabalhar diariamente na sua oficina. O legado do pai encontra-se representado na sede da Junta de Freguesia de Ferreira do Zêzere desde 2022, altura em que José Henriques ofereceu uma máquina de calibrar o vime, adquirida pelo pai em 1939, à junta de freguesia da sua terra. O legado de José Henriques está espalhado por todo o país, em cada uma das peças que criou e vendeu, mas também no conhecimento que transmitiu a um dos filhos. “Tenho um filho e uma filha. Nenhum deles trabalha em cestaria, mas o meu filho aprendeu esta arte”, diz, com orgulho, lembrando também que tem quatro netos, o que lhe permite manter a esperança que alguém continue o seu legado.

Anterior
Anterior

Vítor Marques

Próximo
Próximo

Leonel Rocha