Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego

Conhecida como “Aldeia das Casas Baixas”, Pego é uma terra com uma identidade vincada. Situada no centro do concelho de Abrantes, num pequeno planalto junto à margem esquerda do rio Tejo, a aldeia do Pego é feita de gente que se orgulha das suas raízes. As casas, os petiscos e o modo de falar típico são elementos culturais identitários desta aldeia ribatejana, onde funcionou, até 2021, a Central Termoelétrica do Pego. Os pegachos são bairristas, na melhor aceção da palavra, e orgulhosos das suas tradições. A cultura pegacha é sentida por diferentes gerações da mesma aldeia, e o melhor exemplo disso é o Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego.

Formado em junho de 1953, pelo apelo de reunir as danças, os cantares e os trajes característicos desta região na época 1900-1920, o Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego é o mais antigo do Ribatejo. Tendo começado por se chamar “Bailarinos do Pego”, o grupo fez a sua primeira aparição numa festa em Santarém e, pouco tempo depois, marcou presença na primeira feira do Ribatejo, hoje mais conhecida como Feira Nacional de Agricultura. Com a criação da Casa do Povo, em 1957, passou a designar-se Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego, nome que ainda hoje mantém. Ao longo dos seus 70 anos de história, o rancho levou o nome do Pego a todo o país, bem como além-fronteiras, tornando-se no principal embaixador itinerante da cultura pegacha.

Atualmente, o Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego é constituído por cinquenta elementos, com idades que vão dos 14 aos 74 anos. Os membros mais antigos, alguns com mais de 40 anos de presença no rancho, partilham a sua experiência e conhecimento com os mais novos, que trazem sangue novo e dinamismo ao grupo. Um dos membros mais novos do rancho é também presidente do mesmo desde janeiro deste ano. Chama-se Bernardo Pereira e considera-se um “pegacho puro e duro”.

“Comecei a dançar no rancho ainda dentro da barriga da minha mãe”, afirma Bernardo Pereira, hoje com 21 anos. “Com 2 anos, sentava-me no palco das festas a ver as saias a rodar, ficava fascinado com os movimentos dos dançarinos”, conta, lembrando que aprendeu a cantar as modas do rancho com a avó, uma das primeiras cantadeiras do Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego. Os primeiros passos de fandango, dança típica do Ribatejo, foram-lhe ensinados pela tia e pela madrinha. Quando entrou para o Rancho Infantil do Pego, aos 5 anos, Bernardo já não era um novato nas danças e cantares do rancho da sua aldeia. Em 2014, então com 12 anos, passou a integrar o rancho dos adultos, cumprindo o sonho de representar o Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego. Entre as muitas viagens e atuações que fez, Bernardo recorda uma digressão à Madeira, em 2016, como “uma das experiências mais fantásticas” que viveu enquanto membro do rancho. Após terminar o ensino secundário, ingressou na Universidade Lusófona, em Lisboa, onde se graduou em Património Cultural Imaterial, sendo que a sua tese final de curso incidiu sobre a cultura pegacha. Há dois meses, na sequência da saída da anterior direção, Bernardo Pereira foi eleito presidente do Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego, tornando-se um dos presidentes mais novos na história do folclore português.

“O maior desafio é gerir cinquenta pessoas. Só juntos e unidos podemos fazer a diferença. O meu objetivo é articular as pessoas para percebermos o caminho a seguir”, diz Bernardo, que pretende fomentar a união e o dinamismo no rancho. Apesar de sentir o apoio de todos os elementos, faz questão de realçar a ajuda da madrinha, Isaltina Sousa, e da amiga, Cristina Sousa, ambas membros do rancho folclórico do Pego há mais de 40 anos. “São os meus pilares no rancho” diz Bernardo, enquanto ajeita a camisa do seu traje domingueiro.

Os trajes do Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego são reproduções fiéis dos usados pelos antepassados dos atuais integrantes do rancho, no princípio do século XX. Enquanto alguns elementos exibem um traje de casamento, traje de semana e de trabalho, outros apresentam-se em traje domingueiro, o qual varia consoante seja uma família pobre ou rica. “Este traje representa uma jovem, filha de lavradores abastados, que vivia num monte e não se dava com as outras pessoas do Pego”, explica Bernardo, apontando para uma roupinha preta com detalhes em ouro. Um dos objetivos do recém-nomeado presidente do rancho folclórico do Pego é continuar a recolher trajes originais do início do século passado. “A parte que nos entristece mais é que muitas das pessoas que usaram esses trajes já faleceram. Agora falamos com os filhos ou com os netos dessas pessoas, os quais têm o cuidado de guardar essas peças”, conta Bernardo, orgulhoso do espólio recolhido. “É importante deixarmos um legado”, diz determinado.

Apesar da vontade de dinamizar o Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego, nomeadamente através das redes sociais, Bernardo Pereira sabe que há regras a cumprir. Como membro da Federação Portuguesa de Folclore, o grupo deve apresentar-se “de acordo com as tradições antigas”, o que representa uma “dificuldade acrescida”, segundo Bernardo. “Como temos muitas jovens, temos de lhes lembrar que não podem usar verniz nas unhas nem maquilhagem. É importante termos em conta a forma como as nossas avós se comportavam”, diz o neto de uma antiga cantadeira do rancho folclórico do Pego. Bernardo também pretende manter uma das particularidades do rancho pegacho, que tem a ver com a forma como o fandango é dançado. Enquanto na maioria dos grupos ribatejanos esta dança é feita por dois homens, no Pego é uma dança de sedução entre um homem e uma mulher. Mesmo sabendo da importância das regras e tradições, o presidente do Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego mostra-se disponível para novos projetos, à imagem do que aconteceu o ano passado na colaboração com Omiri, um dos mais originais projetos de reinvenção da música tradicional portuguesa. “Temos de olhar para o futuro sem esquecermos os nossos antepassados”, afirma Bernardo, antes de revelar que, “se tudo correr bem, vamos fazer o lançamento do livro sobre os 70 anos do rancho no dia do 71º aniversário”. Não esquecendo o apoio do Município de Abrantes, “que se orgulha dos pegachos valentes”, Bernardo não tem dúvidas em afirmar que “o reconhecimento dos pegachos é o melhor elogio que podemos receber”. No que depender de Bernardo Pereira, os seus conterrâneos vão continuar a ter motivos para se orgulharem do seu rancho folclórico.

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