João Luís Mariano
A história dos Açores é marcada por quase seis séculos de presença humana contínua nas suas nove ilhas. Durante mais de um século, a atividade baleeira desempenhou um papel central na economia do arquipélago, sendo uma importante fonte de subsistência para muitas famílias. Em São Miguel, a baleação teve início na segunda metade do século XIX, num lugar conhecido por Calhau Miúdo, na vila de Capelas. Foi ali que se instalou o primeiro “traiol” — uma instalação rudimentar para extração e processamento de óleo de baleia — da maior ilha do arquipélago.
No final da década de 1930, foi construída a primeira fábrica açoriana dedicada à produção de óleo e farinha de cachalote: a Fábrica da Baleia de São Vicente Ferreira. Foi nesta fábrica que, aos 11 anos, João Luís Mariano começou a trabalhar, auxiliando os baleeiros no desmanche das baleias capturadas ao largo da costa norte de São Miguel. “A idade mínima para ir para a caça à baleia era 18 anos, mas como o meu pai era oficial do bote baleeiro Santa Joana, assinou uma autorização para que eu pudesse ir aos 15”, conta João Luís Mariano, o último baleeiro vivo na ilha de São Miguel.
Natural da freguesia de Santo António, no concelho de Ponta Delgada, João tinha 4 anos quando se mudou para a ilha Terceira, acompanhando o pai que foi trabalhar como baleeiro. Passou parte da infância na freguesia de São Mateus da Calheta, em Angra do Heroísmo, regressando a São Miguel aos 11 anos. Trabalhou como remador, arpoador e maquinista da Vedeta — a lancha responsável por rebocar as baleias até à fábrica — até aos 21 anos, quando foi chamado para cumprir o serviço militar obrigatório.
João Luís Mariano passou os primeiros catorze meses do serviço militar na ilha Terceira, sendo depois mobilizado para Timor em 1966. Após o regresso, em dezembro de 1968, começou a trabalhar como motorista de camião, já que a companhia da baleia se encontrava encerrada. Contudo, em 1970, a Sociedade Corretora adquiriu a União das Armações Baleeiras de São Miguel, e a atividade baleeira ressurgiu. João Luís Mariano voltou a enfrentar cachalotes maiores que o bote baleeiro em que navegava, integrando uma tripulação de sete homens: seis remadores — entre eles um arpoador — e o oficial, a autoridade máxima a bordo. Passou por todas as funções da baleação, exceto a de vigia — a pessoa responsável por avistar as baleias e dar o sinal de partida para o bote, lançando um foguete a partir do Miradouro da Vigia das Baleias. Além de anunciar a presença dos cetáceos, o vigia guiava a aproximação aos animais usando bandeiras ou sinais de fumo e, posteriormente, por rádio.
Ao longo da sua carreira como baleeiro, João Luís Mariano viveu momentos de glória, mas também enfrentou sustos e tragédias. O episódio mais marcante ocorreu a 11 de novembro de 1970. “Apanhámos duas baleias de 13 ou 14 metros, fora da Ponta dos Mosteiros. Ao trazê-las para terra, armou-se um temporal tão forte que não conseguimos entrar no porto. O bote embateu contra as rochas e ficou completamente partido. Salvámo-nos a nado até à costa”, recorda o mestre baleeiro, acrescentando: “Parti o braço esquerdo em três partes, mas, milagrosamente, sobrevivi”. A tragédia que mais o marcou aconteceu a 25 de julho de 1965, “numa segunda-feira da Procissão em Honra de Nossa Senhora de Lurdes das Capelas”, relembra, emocionado. “A baleia deu uma pancada com a cauda no bote e fomos todos parar à água. Quando regressámos ao bote, percebemos que faltava um de nós. A boina do Agostinho Serrilha apareceu e fomos tentar salvá-lo, mas era só a boina. O mar não mexia. Ele nunca mais apareceu”, conta João Luís Mariano, com a voz embargada.
Quando não estava a caçar ou a desmanchar baleias, João Luís Mariano dedicava-se ao seu “bocadinho de terra”. “Todo o baleeiro trabalhava a terra. Quando não havia baleias, estávamos no campo, especialmente nas vinhas. Mas assim que aparecia uma baleia, corríamos todos para o porto para arrear os botes e partir para o mar”, recorda com nostalgia. Apesar das lesões, das mortes e do baixo salário, João Luís Mariano orgulha-se do prestígio que conquistou, embora confesse com humildade: “O baleeiro nunca sabe como a baleia vai reagir ao arpão. Nunca é igual! Houve grandes baleeiros nos Açores, oficiais e arpoadores, mas estavam sempre a aprender”. Em 1973, comprou o bote Santa Joana, onde o seu pai havia sido oficial. Atualmente, essa embarcação está exposta no maior centro comercial de Ponta Delgada, o Parque Atlântico. A odisseia de João Luís Mariano na caça à baleia terminou em 1974, com o fim da atividade baleeira na ilha de São Miguel.
Ainda enquanto baleeiro, João juntou-se aos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada e, já aposentado da caça à baleia há quase uma década, em 1983, passou a integrar oficialmente a corporação. Trabalhou lá até se reformar, em 2004, devido a um problema na coluna vertebral. Com uma reforma inferior a 500 euros, viu-se forçado a regressar ao trabalho como motorista de camião para cobrir as despesas, especialmente com o tratamento da grave doença da esposa, que faleceu há três anos.
Além do respeito e admiração que conquistou como baleeiro e bombeiro, João Luís Mariano é também um dos mais prestigiados cantadores e repentistas dos Açores. Ainda antes de completar 13 anos, subiu ao palco pela primeira vez para cantar ao desafio com cantadores consagrados de São Miguel — e desde então nunca mais parou. Com quase 70 anos de carreira como cantador e poeta popular, João Luís Mariano atuou em várias ilhas do arquipélago, no continente português e na diáspora, participando em inúmeros concertos para as comunidades açorianas nos Estados Unidos, Canadá e Bermudas. Uma faceta menos conhecida do artista é a sua interpretação das “Velhas”, canções tradicionais da Ilha Terceira com raízes profundas nas “Cantigas de Escárnio e Maldizer”. Aos 79 anos, João Luís Mariano é muito mais que um embaixador da vila de Capelas; é um expoente da identidade cultural açoriana.