João Resendes
João Resendes nasceu em Ponta Delgada, em 1977, e sempre viveu em Feteiras, uma freguesia na costa sul da ilha de São Miguel. Neto de um baleeiro de Fenais da Luz, terra natal da mãe, João recorda-se de sentir o apelo do mar desde pequeno. “Com 6 anos, lembro-me de sair da escola às 15h com o meu primo e ir brincar no mar. Gostávamos tanto que perdíamos a noção do tempo. Quando finalmente voltávamos para casa, já estava a escurecer, e a minha mãe estava pronta para nos dar umas boas palmadas até chegarmos a casa. Andávamos uma ou duas semanas direitinhos e depois voltávamos a fazer o mesmo. Era irresistível! Mas levámos muita pancada à conta disso”, conta com um sorriso no rosto. A mãe acabou por permitir que João fosse para mar, desde que em grupo e sempre às escondidas do pai, que “não sabia nadar e tinha pavor da água”.
Foi numa dessas ocasiões que João aprendeu a nadar. “Fiquei estupefacto! A maré estava mais alta do que o normal, eu ia a nadar à cão e, quando notei que já não tinha pé, continuei a nadar. De repente, percebi: já sei nadar!”, recorda com emoção. Algum tempo depois, durante uma ida à praia de São Roque com a família, o pai não escondeu o espanto ao ver João e o primo lançarem-se ao mar sem medo e nadarem com desenvoltura. Quando o pai perguntou à mãe sobre o assunto, ela apenas respondeu: “Nem imaginas o que eles levaram para aprender a nadar”, referindo-se às palmadas que lhes deu.
Aos 12 anos, João teve sua primeira experiência em barcos de pesca durante as férias de verão. “Trabalhei no atuneiro de um senhor madeirense que morava nas Feteiras. Estava sempre a observar como ele fazia os cálculos de navegação. Ao aperceber-se do meu interesse, ensinou-me muitas coisas — não só sobre navegação, mas também sobre o comportamento das ondas, as massas de água, os ventos e as marés. Aprendi muito com ele”, recorda João, referindo-se ao comandante do atuneiro onde pescava atuns ao largo de São Miguel e Santa Maria. No início do verão de 1992, com 14 anos, apresentou-se ao comandante de um barco americano de pesca ao espadarte para pedir trabalho. “Eu era baixinho e franzino. Ele olhou para mim e perguntou-me se achava que conseguiria fazer aquele serviço. Respondi que faria o que estivesse ao meu alcance”, conta, antes de explicar em que consistia o seu trabalho: “A embarcação tinha uma máquina para fabricar gelo no porão, e eu era responsável pelo stock de gelo, que utilizava para cobrir o peixe. Era só isso, pois não tinha força para fazer muito mais”. Ao contrário dos dois colegas açorianos com quem fez a primeira viagem, que não se adaptaram ao “método americano de trabalho — quando é para trabalhar, é para trabalhar” — João fez parte da tripulação desse barco nos dois verões seguintes. “Foi assim que desenvolvi o meu inglês”, conclui João Resendes, o mais velho de quatro irmãos.
Por ser o primogénito, João viu-se forçado a abandonar a escola, após concluir o 9º ano, para ajudar no sustento da família. “Comecei a trabalhar aos 16 anos. O meu turno começava às 4h e terminava às 18h, e depois ainda estudava até à meia-noite. Foram três anos assim”, recorda João, que terminou o 12º ano em regime noturno. Mais tarde, chegou a tirar um curso de técnico de contabilidade e a matricular-se na universidade para estudar Economia, mas a morte do pai, em 2005, levou a que cancelasse a matrícula para apoiar a família, ficando responsável pelas terras que eram do pai.
Ao longo de todos esses anos, João Resendes nunca deixou de explorar o mundo subaquático da ilha de São Miguel. Tinha apenas 14 anos quando o pai, já convencido da sua paixão pelo mar, lhe comprou o equipamento de caça submarina. “Apanhava vejas, sargos, tainhas, bodiões — toda a espécie de peixe costeiro”, conta. “Mesmo quando o mar estava bravo, tentava sempre estar próximo, observar a ondulação e as correntes. Ainda sou fascinado por isso!”. Além da experiência prática e da observação atenta, João sempre valorizou os conselhos dos mais velhos.
Quando tinha 18 anos, teve a oportunidade de emigrar para os Estados Unidos, onde hoje vivem a mãe e o irmão mais novo, mas escolheu ficar nos Açores. “Financeiramente, ir para os Estados Unidos era muito aliciante, e eu cresci com o sonho americano — todos nós crescemos com esse sonho. Mas quando essa possibilidade finalmente surgiu, decidi não ir. Tinha aqui os meus amigos, sentia-me tão bem neste lugar que não queria me desligar. O que me prendeu foi a maneira como vivemos a terra”, explica este açoriano de 46 anos.
Antes de se tornar mergulhador profissional, João Resendes trabalhou nove temporadas como nadador-salvador em várias praias do concelho de Ponta Delgada, como Pópulo, Caloura, Milícias e Mosteiros. Ao longo desse tempo, orgulha-se de nunca ter deixado ninguém para trás. “Com vida ou sem vida, fui sempre buscar. As pessoas que faleceram nas minhas mãos foram sempre em áreas não vigiadas”, conta, admitindo que resgatar crianças sem vida é especialmente doloroso. No entanto, o episódio que mais o marcou envolveu uma senhora de 72 anos. “A família tinha acabado de chegar do Canadá naquele dia, e ela, toda animada, foi apanhar lapas para o jantar. Fui buscá-la ao mar e saímos pelas pedras. Fiz meia hora de reanimação e, quando os bombeiros chegaram, ainda insistimos um pouco mais. Percebi que não havia mais nada a fazer, mas continuei até ao limite das minhas forças. A neta da senhora assistiu a tudo, viu a avó falecer à sua frente. Isso mexeu muito comigo na altura, passei por um período difícil”, recorda João Resendes, que confessa ter sempre desempenhado o seu trabalho com muita intensidade. Quando lhe perguntam “quantos salvamentos fez?”, João prefere citar uma personagem do filme “O Guardião”, que dizia nunca contar quantas pessoas salvou, mas sabia exatamente quantas morreram nas suas mãos. “Revi-me muito nessa ideia”, admite João Resendes, que também é bombeiro voluntário desde os 23 anos. “Quando salvo alguém, sinto que cumpri a minha missão. A missão é salvar. Há uns anos, perguntaram-me o que me motiva, e eu respondi que a minha ação é para manter o meu povo o mais seguro possível”, afirma, acrescentando que tenta transmitir aos jovens da corporação a importância de “manter o máximo de pessoas a salvo”.
A ligação de João Resendes ao mar fortaleceu-se ainda mais em 2009, quando concluiu o curso Open Water Diver, um curso de iniciação ao mergulho. Sentindo que o curso apresentava limitações, João pediu ao instrutor que lhe ensinasse técnicas mais avançadas. “O curso acabava às 17h, mas enquanto os meus colegas iam embora, eu ficava até às 22h. Foi aí que nasceu uma dinâmica e um gosto muito maiores”, recorda João que, alguns anos depois, obteve a certificação de mergulho profissional PADI Divemaster.
Enquanto trabalhava por conta própria como guia turístico, função que desempenhou durante alguns anos, João começou a colaborar como freelancer com várias empresas de mergulho em Ponta Delgada. Tendo prestado serviços para todas as existentes na época, nunca quis assinar contrato de exclusividade com nenhuma delas. Na sua opinião, essa limitação “nunca fez sentido. Com exclusividade, fico impedido de adquirir conhecimento ou fazer algo que possa ser positivo para mim em outro lugar”. Durante o período em que foi guia turístico, João levava os passageiros dos cruzeiros que aportavam em Ponta Delgada para conhecer os lugares mais deslumbrantes de São Miguel, sempre partilhando o seu vasto conhecimento sobre a história e cultura dos Açores.“Sempre tive interesse em aprender mais sobre a minha terra, tanto geologicamente como culturalmente. É onde vivo e com o que me identifico, por isso procuro transmitir o máximo possível para que as pessoas compreendam o que existe aqui”. Além disso, João gostava de presentear os clientes com um pote de mel, pimenta da terra, queijo de cabra, pão e algum licor típico, para que pudessem provar e valorizar os produtos locais. Quando decidiu abandonar a atividade de guia turístico para se dedicar exclusivamente ao mergulho, alguns clientes, com quem ainda mantém contato, ficaram “chateados” com a notícia.
Com o apoio financeiro da mãe e dos irmãos, que vivem do outro lado do Atlântico, João Resendes fundou a sua empresa de mergulho, a Azores Low Dive. Em 2016, concluiu o curso de mergulhador profissional em Málaga, no sul de Espanha, o que lhe possibilitou atuar como instrutor de mergulho, superando as limitações da certificação PADI Divemaster. A partir daí, “foi trabalhar, trabalhar, trabalhar, sempre nesta área”, conta o mergulhador, que além de gerir a sua própria empresa, presta diversos serviços para outras companhias do setor em Ponta Delgada.
Como instrutor de mergulho da Azores Low Dive, João Resendes leva os seus clientes a explorar os melhores pontos de mergulho na zona de Ponta Delgada. Um dos destaques é o naufrágio do navio “Dori”, um dos ex-líbris do mergulho nos Açores, classificado como Parque Arqueológico Visitável. Embora goste de mergulhar em todos os locais, João tem um carinho especial pela reserva arqueológica subaquática junto ao Ilhéu de São Roque, criada há dois anos. “Participei em todo o processo, desde a localização até ao depósito das âncoras”, recorda com satisfação. Atualmente, está empenhado na defesa da criação de reservas marinhas protegidas que promovam a regeneração dos ecossistemas. “As reservas são absolutamente necessárias, não tenho dúvida alguma”, afirma, demonstrando grande preocupação com o futuro do mar. A pesca excessiva, somada à fiscalização insuficiente, cria um cenário preocupante. “Se continuarmos a retirar recursos desta forma, entre 2030 e 2035 não teremos mais nada. É uma situação muito delicada. Dói muito! O que via quando era miúdo e o que vejo hoje é uma diferença abismal”, desabafa, sem esconder a tristeza. Apesar do panorama pouco animador, João destaca que hoje há um esforço do Governo Regional dos Açores para educar os jovens nas escolas e que já se nota alguma mudança de mentalidade na comunidade piscatória.
Entre os serviços que presta a outras empresas, João gosta especialmente de navegar entre as ilhas, acompanhado de grupos de turistas. Além disso, atua como skipper (capitão/comandante da embarcação) para a empresa de observação de baleias Terras do Pico, sediada nos Mosteiros. Como mergulhador profissional, João também realiza, ocasionalmente, reparações em navios e trabalhos subaquáticos.
Mesmo com uma agenda tão preenchida, o mergulhador ainda encontra tempo para “explorar o que existe mais além”. O fascínio pelas formações geológicas já o levou a mergulhar até 55 metros de profundidade. “O que me fascina no aspecto geológico é que, a partir dos 40 metros de profundidade, as zonas permanecem intocadas. As marcas das erupções mais recentes são claramente visíveis, pois as ondas e correntes na superfície não chegam a agitar essas profundezas”, explica entusiasmado.
Embora seja raro, João ainda se reúne ocasionalmente com amigos de infância para praticar caça submarina, como faziam nos velhos tempos. Apesar de ser considerada a forma de pesca mais seletiva, reconhece as preocupações que surgem: “Não é comum pescar o tipo de peixe que quero mostrar aos meus clientes. Quando vou caçar, procuro capturar o mínimo possível e deixar os peixes menores para que possam se reproduzir”.
Pai de duas filhas, Iara e Vitória, João Resendes faz questão de envolvê-las ao máximo na sua atividade, para que comecem a perceber como tudo funciona — e descubram, com o tempo, se têm mais interesse pela navegação ou pelo mergulho. Iara, a filha mais velha, de 14 anos, já é certificada em mergulho e “consegue desempenhar o papel de skipper normalmente”, embora ainda não tenha a carta de marinheiro, cuja idade mínima para obtenção é de 16 anos. Vitória, com 10 anos, vai começar este ano o curso de iniciação ao mergulho e, tal como a irmã, “adora fazer de skipper”, sempre sob a supervisão do pai. “As minhas filhas adoram o mar”, afirma João, com um sorriso rasgado. Aos 46 anos, com o mar sempre como cenário de fundo, João Resendes pretende continuar a mergulhar — a atividade que mais prazer lhe dá. O amor pelos Açores também continuará presente no seu quotidiano, seja numa festa de freguesia, numa noite de cantigas ao desafio ou nas Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Cada açoriano representa, à sua maneira, o conceito de “açorianidade”, criado por Vitorino Nemésio em 1932, que destaca a geografia e a história como elementos “definidores de um modo de ser”. João Resendes é um exemplo vivo dessa identidade insular, que expressa todos os dias, com orgulho e dedicação.