José Espiga

A vila de Bucelas, no concelho de Loures, é uma terra com uma forte tradição vitivinícola. Reconhecida como região demarcada desde 1911, Bucelas tem como emblema o Arinto, uma casta de uva branca originária desta região. É a partir desta casta que se produzem todos os vinhos DOC (Denominação de Origem Controlada) da única região demarcada para vinhos brancos no mundo.

No coração da vila, junto ao Museu do Vinho e da Vinha, encontra-se uma tanoaria que já existia muito antes da aprovação do decreto que declarou Bucelas como região demarcada. Na entrada, além de um distintivo da Fundação Michelangelo para a Criatividade e Artesanato — uma organização internacional que apoia mestres-artesãos europeus contemporâneos — há uma placa que identifica o mestre-artesão e o seu ofício: “José Espiga – tanoaria tradicional”.

Nascido em 1959, José Espiga cresceu familiarizado com a oficina de tanoaria do pai, onde hoje trabalha sozinho. Naquela época, a tanoaria empregava cerca de uma mão-cheia de trabalhadores. O fascínio pelo ofício era tão grande que, ainda criança, José já conseguia enumerar todas as fases de produção de um barril, assim como identificar as diversas ferramentas utilizadas. “Comecei a trabalhar bastante cedo, mas só aos 23 anos é que realmente comecei a ganhar a vida com isto”, revela o tanoeiro. Após o falecimento do pai, em 1991, restava apenas um trabalhador na tanoaria, que se reformou em 1997, deixando José Espiga sozinho a dar continuidade a esta oficina centenária.

O facto de ser o único tanoeiro a trabalhar na oficina, assim como o único em atividade desde Bucelas até à ponta de Sagres, não o incomoda. José Espiga mantém o mesmo entusiasmo e dedicação com que abraçou esta arte há quase 40 anos.

No dia em que o visitámos, preparava-se para iniciar a confeção de um barril em madeira de carvalho. Embora ainda utilize madeira de castanheiro, José Espiga prefere o carvalho para os seus barris. Além de favorecer o “envelhecimento precoce dos vinhos”, o carvalho “está muito na moda”, diz, recordando que, no tempo do pai, a madeira de castanheiro era praticamente a única usada.

A construção de um barril é um processo complexo, composto por várias etapas, cada uma exigindo técnicas e saberes transmitidos ao longo de gerações. José Espiga faz questão de manter-se fiel à tradição e trabalhar “à moda antiga”. “Não introduzi nenhuma inovação em relação ao trabalho do meu pai — pelo contrário, recuei no tempo e fui buscar técnicas ainda mais antigas”, afirma, pouco antes de iniciar a construção do barril.

Ao longo do processo de fabrico, José Espiga foi-nos explicando cada etapa com detalhe, muitas vezes recorrendo a termos específicos da tanoaria. De forma resumida, a construção de um barril começa com a preparação das aduelas — as tábuas que compõem o corpo do barril — que são moldadas para adquirirem a sua forma curva característica. Segue-se o chamado “levantamento do barril”, que consiste em dispor as aduelas no interior de um molde, usado como referência para o tamanho final da peça. Com o barril levantado, este passa então para o fogacho — uma armação onde se acende fogo — cujo calor torna a madeira mais flexível. Isso permite ao tanoeiro vergá-la com a ajuda de um macaco e, em seguida, fixar os arcos provisórios, também conhecidos como arcos de bastição. Estes são ajustados com marreta e chaço, de forma a exercerem a pressão necessária sobre as aduelas. Posteriormente, é necessário arrunhar o barril, uma operação fundamental para garantir a vedação e o encaixe perfeito dos fundos. Uma vez colocados os fundos, são fabricados e instalados os arcos definitivos, que substituem os de bastição. Com a ajuda de uma marreta de pena e de uma bigorna de tanoeiro, as tiras de ferro são cortadas e moldadas à medida, abraçando o barril com firmeza. Por fim, o barril recebe os acabamentos finais, que incluem a raspagem da madeira e a abertura do batoque — o orifício por onde o vinho será introduzido ou retirado.

Enquanto nos explicava o processo de fabrico, José Espiga construía um barril com o auxílio de poucas ferramentas — algumas exclusivas da arte da tanoaria, como a javradeira e a raspilha. Apesar de não considerar o seu trabalho uma forma de arte — “arte é escultura, música e pintura”, afirma — reconhece que aprender o ofício exige entre um a dois anos de prática, e outros tantos para aperfeiçoar a técnica. Lamenta, no entanto, não ter condições para ensinar alguém durante esse tempo, apesar de, ocasionalmente, surgirem pessoas interessadas em aprender. Isso porque precisa de dar resposta às encomendas que vai recebendo. 

Os clientes da única tanoaria de Bucelas são variados: vão desde pequenos agricultores que precisam de vasilhames para a sua produção caseira de vinho até particulares e restaurantes que procuram peças decorativas. Sem capacidade para aceitar pedidos em larga escala, José Espiga opta por aceitar encomendas mais pequenas — como a de um barril personalizado para oferta, feita durante a nossa conversa. Entre os trabalhos que mais o marcaram, destaca um barril com arcos de madeira, construído à moda antiga — como os primeiros barris —, feito por encomenda da Fábrica da Pólvora de Barcarena. “Faço barris como modo de vida, mas também faço para me divertir”, diz José Espiga, o maior representante vivo da cultura do vinho em Bucelas. 

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