Fátima Lopes
Fátima Lopes representa a quarta geração de uma família que dedicou a vida ao artesanato. A arte de trabalhar a madeira de salgueiro está presente na sua família desde o início do século passado, quando a bisavó começou a fabricar os tradicionais palitos de flor. Segundo reza a história, esta prática teve origem no Mosteiro de Lorvão, onde as freiras começaram por esculpir pequenos pedaços de salgueiro em finas tiras, usadas para decorar os doces conventuais. Com o tempo, a tradição espalhou-se entre a população de Lorvão e das aldeias vizinhas, tornando-se, durante décadas, um importante meio de subsistência para muitas famílias. Hoje, Fátima Lopes é a única artesã a tempo inteiro que mantém viva a produção de palitos de flor, além de criar outras peças artesanais em madeira de salgueiro ou choupo.
A bisavó de Fátima Lopes foi a primeira da família a perceber o potencial da madeira de salgueiro para criar peças de artesanato além dos palitos de flor. Depois de ultrapassarem os muros do mosteiro, os palitos tornaram-se comuns e perderam parte da sua procura. “A minha bisavó começou por fazer talheres, depois veio a roca, a dobadoira...”, conta Fátima, orgulhosa das suas raízes. A arte passou para as mãos do seu avô que, embora trabalhasse como cesteiro, aproveitava as épocas de menor procura para produzir peças em salgueiro. Mais tarde, a mãe de Fátima, Palmira Lopes, aprendeu a técnica com o pai e levou o negócio familiar ainda mais longe. “Começou a fazer presépios, moinhos, barcas serranas e outras coisas”, recorda Fátima, sublinhando que Penacova sempre foi um local privilegiado para a venda dos palitos de flor e das miniaturas em madeira. Quando começou a trabalhar como artesã, aos 15 anos, Fátima Lopes dava continuidade a um legado que já atravessava várias gerações — iniciado décadas antes de ela própria nascer.
Natural da Ronqueira, uma aldeia do concelho de Penacova, Fátima Lopes começou cedo a trabalhar a madeira — e só não começou mais cedo porque a mãe não lhe “queria dar uma navalha para as mãos quando era criança”. “Com 12, 13 anos fui começando, com uma navalha mais pequena, a fazer umas coisitas”, conta Fátima. Dois anos depois, participou naquela que seria a primeira de muitas feiras de artesanato ao longo do seu percurso profissional.
Foi na FIL, em Lisboa, que Fátima Lopes se estreou na venda dos palitos de flor, juntamente com muitos outros artefactos em madeira de salgueiro e choupo. A artesã recorda com saudade esses tempos em que “ia para ver o mundo”, passando semanas em cidades como Viana do Castelo, Barcelos ou Vila do Conde. “Trabalhava cerca de seis horas, até à meia-noite, uma da manhã... o resto do tempo era livre, podia ir à praia — era como umas férias”, recorda Fátima, que muitas vezes era acompanhada pelo irmão mais velho, enquanto a mãe vendia noutra feira, noutro ponto do país. Quando, finalmente, teve permissão para usar as três navalhas essenciais ao trabalho da madeira — cada uma com uma lâmina distinta — Fátima começou a criar novas peças, sem nunca deixar de lado os tradicionais palitos de flor. Entre as muitas criações que passou a integrar na oferta da família, destacam-se representações da Rainha Santa Isabel e os mochos, peças que começaram por ser feitas a pedido de uma amiga e que hoje estão entre as que têm mais saída.
Embora prefira trabalhar atendendo a encomendas, Fátima dedica-se, de vez em quando, a criar peças novas para participar em concursos nas feiras de artesanato. Um exemplo desse trabalho, realizado durante a pandemia, é uma miniatura do Mirante Emydgio da Silva, um dos símbolos de Penacova. Ao longo da sua carreira, Fátima conquistou inúmeros prémios, diplomas e menções honrosas em feiras de norte a sul do país. Contudo, o maior reconhecimento veio quando os seus palitos de flor venceram a final europeia do “European Food Gifts Challenge 2021”, na categoria “Melhor História”. No ano seguinte, repetiu o feito, desta vez conquistando dois prémios na final regional do concurso “World Food Gifts Challenge”, um evento anual ligado às Regiões Mundiais e Europeias de Gastronomia. Ambos os prémios, na categoria “não comestível”, foram atribuídos aos palitos de pestana, um tipo de palito criado pela sua mãe.
Além das feiras de artesanato onde participa, os trabalhos de Fátima Lopes podem ser vistos e adquiridos no Posto de Turismo de Penacova, no Museu do Moinho Vitorino Nemésio e em várias lojas de artesanato em Penacova, Coimbra e Porto. Também estão à venda no Café Turismo, um dos primeiros locais onde a sua mãe começou a comercializar artesanato em Penacova. Embora Palmira Lopes já não esteja ativa, devido à idade avançada, Fátima conta com o apoio do marido, João, que corta os salgueiros e choupos nos seus terrenos à beira-rio, e da filha, Mariana, que seguiu outra profissão, mas sempre que pode “agarra na navalha e inventa umas coisas”.
Na sua oficina, em Ronqueira, Fátima mantém vivo um legado que atravessa quatro gerações e que gravou, de forma indelével, o nome da família Lopes na história do artesanato tradicional da região de Coimbra.