Simão Monsanto

No coração da cidade de Almeirim, em pleno Ribatejo, encontra-se uma oficina dedicada à produção e reparação de calçado artesanal em pele, com especial destaque para as tradicionais botas ribatejanas. O espaço pertence a Simão Monsanto, sapateiro há cerca de 60 anos e considerado um dos mais conceituados artesãos de calçado tradicional da região. 

Simão Monsanto tinha apenas 12 anos quando começou a aprender o ofício de sapateiro com um primo, tendo passado por duas oficinas antes de ser chamado para cumprir o serviço militar obrigatório. “Quando saí da tropa, o meu patrão deu-me sociedade e fiquei a trabalhar com ele”, recorda Simão, referindo-se a Vitorino Dias Carvalho, conhecido como “Vitorino dos Botins”. Em 1997, os dois fundaram juntos a loja Vitorino & Simão – Calçado Artesanal. Com a reforma de Vitorino, em 2006, Simão Monsanto manteve o nome da loja, com a sua autorização, como forma de homenagem à parceria e ao percurso partilhado. A sapataria, situada no edifício da Praça de Touros de Almeirim, comercializa, entre outros artigos, as tradicionais botas ribatejanas, feitas à mão na oficina localizada na Travessa da Olaria.

Acompanhado por Zacarias, um funcionário com cerca de 50 anos de casa, Simão Monsanto continua a confecionar botas por medida em diversos modelos e tonalidades, como as botas de salto de prateleira — preparadas para receber esporas —, as éguas (botas baixas com elásticos laterais) e as tradicionais botas de montar. Ao observar o calçado, percebe-se imediatamente a forte ligação ao mundo rural e aos cavalos, bem como ao universo tauromáquico, com vários cavaleiros e campinos entre os seus clientes. “Tudo é feito de forma artesanal, inteiramente à mão. Até o contraforte, que costuramos manualmente, exatamente como se fazia há 60 ou 70 anos”, explica Simão Monsanto, que trabalha principalmente com pele de vitela curtida por métodos tradicionais e sem recurso a produtos químicos. Além da qualidade do material, as botas tradicionais ribatejanas distinguem-se pela resistência, conforto e estética. “É uma bota verdadeiramente bonita”, afirma, enquanto exibe uma bota de cano alto com salto à espanhola.  

Após uma fase de grande popularidade nos anos 80 e 90, em que as botas tradicionais ribatejanas estiveram na moda, a procura por este tipo de calçado diminuiu consideravelmente, assim como o número de sapateiros especializados na sua produção.

Atualmente, Simão Monsanto é o único artesão do calçado tradicional do Ribatejo em Almeirim e um dos últimos da região a manter esta tradição viva. Apesar disso, conserva uma base fiel de clientes, incluindo vários antigos alunos da Escola Agrícola de Santarém. “Recentemente, fiz um par de botas para um senhor de Bragança que tirou o curso em Santarém há cerca de 60 anos. Era aqui cliente e nunca mais deixou de ser. De três em três anos, encomenda umas botas novas”, conta o sapateiro, que tem clientes espalhados por todo o país. As medidas dos pés dos clientes da Vitorino & Simão – Calçado Artesanal estão cuidadosamente registadas em cerca de duas dezenas de livros encadernados em pele de vitela. Em cada página, o sapateiro desenhou o contorno do pé do cliente e anotou medidas detalhadas, como a grossura dos dedos, o peito do pé e a entrada, que vai até ao tornozelo. “Fica tudo registado aqui. Quando alguém pede um par de botas e volta mais tarde para encomendar outro, já não é preciso tirar as medidas novamente”, explica Simão, folheando um dos livros com centenas de contornos de pés diferentes. Nas paredes da oficina, estão pendurados dezenas de moldes em madeira, prontos para serem usados conforme as medidas de cada cliente. “Depois de tirar as medidas, venho aqui escolher o molde adequado. Por exemplo, se quiser uma bota número 43, com salto de 3,5 cm e bico agudo, procuro entre os moldes que correspondem a essas características”, diz, enquanto retira um molde que dará origem a mais um par de botas tradicionais ribatejanas. 

Ao longo da sua carreira, Simão Monsanto participou regularmente em diversos certames culturais, como a Ovibeja e a Feira Nacional de Agricultura, onde teve oportunidade de divulgar a arte de criar botas e sapatos de forma inteiramente artesanal. Atualmente, são os seus filhos que continuam a levar os artigos da Vitorino & Simão – Calçado Artesanal a feiras e exposições por todo o país. 

À beira de completar 74 anos, um dos últimos artesãos das botas tradicionais ribatejanas não esconde o receio quanto ao futuro deste ofício que abraçou desde criança. “Este sistema totalmente artesanal, como fazemos aqui, está em vias de extinção, porque não há seguidores”, lamenta, sublinhando que “são precisos quatro ou cinco anos para aprender este ofício”. Entre solas e curtumes, Simão Monsanto garante que continuará a honrar e preservar, “enquanto puder”, a arte de fazer botas tradicionais ribatejanas, com o mesmo rigor e paixão de sempre. 

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