Maria Irene

Nascida e criada em Benavente, uma vila ribatejana de fortes tradições, Maria Irene é uma das últimas costureiras da região ainda capazes de confecionar as tradicionais meias de campino. Feitas à mão com cinco agulhas, estas meias são mais do que peças de artesanato elaboradas — são verdadeiros símbolos da identidade cultural do Ribatejo. Parte integrante do traje de festa, as meias brancas rendilhadas são usadas pelos campinos em ocasiões especiais, como a Festa da Amizade – Sardinha Assada de Benavente, uma das maiores celebrações populares da região. 

Muito antes de começar a fazer meias de campino à mão, aos 17 anos, Maria Irene recebeu do pai uma máquina de costura. A mãe, trabalhadora rural, fazia meias de campino nas horas vagas e sempre incentivou a filha a aprender a arte dessa peça tão tradicional. Maria Irene, no entanto, costumava responder: “Oh mãe, não quero fazer isso, demora tanto tempo”, referindo-se aos muitos e longos dias de trabalho necessários para concluir um par de meias. Por isso, decidiu dedicar-se exclusivamente à costura na máquina que o pai lhe ofereceu. “Tinha muito trabalho. Fazia camisolas, casacos... Cheguei a produzir dez camisolas por dia na máquina”, recorda Maria Irene, enquanto imita o som da máquina de costura que a acompanhou por várias décadas.

Aos 27 anos, Maria Irene mudou-se para Santa Iria da Azóia, mais precisamente para o bairro da antiga Companhia Vidreira Nacional (Covina), onde o marido, António César, começou a trabalhar como serralheiro mecânico. Embora nunca tenha deixado de trabalhar como costureira, viveu ali durante 21 anos sonhando com o dia em que regressaria definitivamente à sua terra natal. “Quando passava a ponte de Vila Franca de Xira para lá, sentia uma tristeza; já quando voltava para cá, era uma alegria. Só queria estar em Benavente”, recorda, sentada no sofá da casa onde nasceu, no centro da vila. O regresso acabou por ser precipitado por um problema de saúde da mãe. Com 45 anos, Maria Irene assumiu o papel de cuidadora, conciliando essa responsabilidade com a sua profissão de costureira. Cinco anos depois, começou a desenvolver o gosto por costurar meias de campino à mão, decidida finalmente a dominar essa arte tão representativa da identidade ribatejana.  

Ao longo de mais de 20 anos, Maria Irene costurou inúmeros pares de meias para campinos, forcados e ranchos folclóricos, contribuindo assim para o enriquecimento do património cultural do Ribatejo. Com o tempo, as meias feitas à mão foram gradualmente substituídas por versões produzidas à máquina, o que reduziu significativamente o tempo de fabrico e, consequentemente, o preço final. “Vendia um par de meias por 90 euros. É caro, de certo modo, mas nem sequer pagava o trabalho”, explica Maria Irene, que acabou por não conseguir competir com os preços muito mais baixos praticados pela indústria têxtil. Como guardiã de uma arte tipicamente ribatejana, chegou a participar na Feira do Artesanato de Benavente, onde mostrava a sua destreza a manusear cinco agulhas, em que uma “anda sempre à volta, sempre à volta”. Prestes a completar 76 anos, Maria Irene já não confecciona meias de campino — a não ser que alguém lhe peça com respeito, como foi o nosso caso —, porque “não se vendem e dão muito trabalho”. Ainda assim, está plenamente consciente do valor e da importância destas meias para o Ribatejo, e especialmente para Benavente. “Já disse à minha filha para pôr estas meias no museu da nossa terra quando eu morrer,” conta esta benaventense, orgulhosa das suas raízes, enquanto dá mais uma volta com uma agulha.

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