Elsa Claro
Em pleno coração da Serra da Lousã encontra-se Aigra Velha, a aldeia de xisto mais alta de Portugal. Situada a 770 metros de altitude, entre a Serra do Açor e os imponentes Penedos de Góis, esta pequena aldeia é descrita como “uma terra de encantos” por Elsa Claro, a sua única habitante. Com 61 anos e dedicada à pastorícia, Elsa acredita que viver no ponto mais alto da Serra da Lousã é um privilégio: "Aqui tenho o céu mais perto de mim — basta levantar a mão e estou logo no céu".
Elsa Claro nasceu e viveu na Lousã até aos 22 anos, altura em que se casou com André Claro, que lhe propôs uma escolha: Lisboa ou Aigra Velha, a sua terra natal. “Para a cidade não — tenho cunhados em Lisboa e, quando lá vou, fico doente por causa do barulho”, justifica a pastora, explicando a decisão. Chegou a Aigra Velha em fevereiro de 1984, numa altura em que a aldeia ainda não tinha eletricidade e “nem calçada havia — era tudo terra batida”. A única rua terminava num portão, sempre fechado por causa dos lobos. Habituada a trabalhar desde criança, Elsa dedicou-se de corpo e alma às terras da família Claro. “Ordenhava cinquenta cabeças de gado em meia hora e tirava cerca de trinta litros de leite”, recorda. Muitas vezes, ficava sozinha durante horas, com o gado e os três filhos ao seu cuidado, enquanto o marido combatia os incêndios florestais.
André Claro era chefe de brigada florestal, pastor de profissão, tirou o curso de jovem agricultor, foi catequista durante vários anos e esteve entre os grandes impulsionadores da criação da Rede das Aldeias do Xisto. “O meu marido era um homem dos sete ofícios”, afirma Elsa, com orgulho no legado deixado, mas também com a dor de quem o perdeu cedo demais. André morreu há cerca de dez anos, vítima de um cancro na cabeça. Após a sua morte, Elsa passou algum tempo em casa dos filhos, mas as saudades de Aigra Velha falaram mais alto. Voltou à aldeia “com muito orgulho”, determinada a dar continuidade ao trabalho do sogro e do marido.
“De manhã estou quatro horas com o gado, e à tarde outras quatro”, conta Elsa Claro, que ainda arranja tempo e força para cuidar das galinhas e do galo Alfredo, assim batizado pela neta Penélope. Faz queijos de cabra, cuja venda ajuda a compor o sustento, e vai com frequência até à vizinha Aigra Nova “tomar um cafezinho e dar dois dedos de conversa”. Enquanto conduz as suas dezasseis cabeças de gado pelos vales e encostas da serra, Elsa tem tempo para pensar na vida. “Canto, choro, rio... mas choro mais do que canto”, confessa, resumindo com amargura: “A puta da vida nunca me foi fácil”. Ainda assim, apesar das dificuldades, um sorriso rasgado ilumina-lhe o rosto e os seus olhos azuis ganham brilho quando fala dos três filhos. Alexandra, Pedro e Catarina, todos licenciados e a viver em Góis, revezam-se para levar bens essenciais à mãe, almoçar ou jantar com ela, e aproveitar a companhia da “velha do aço”, como carinhosamente lhe chama o filho. “Os meus filhos são joias raras, digo-o à boca cheia. Bem-educados, respeitados, trabalhadores e honestos. Também tiveram um bom pai para lhes dar educação. Nunca me canso de falar no meu marido e nos meus filhos”, diz Elsa, enquanto olha pela janela da cozinha, de onde avista com frequência raposas, veados e javalis. O marido, esteja onde estiver, e os filhos certamente se orgulham desta mulher de armas que, sozinha, enche de vida uma aldeia inteira.