Francisco Alberto
Francisco Alberto nasceu na Ericeira há 80 anos, numa família com várias gerações de homens do mar. Desde cedo, percebeu que o seu destino passava por seguir a tradição familiar. Aos nove anos, já apanhava mexilhão para vender e ajudava a remendar redes na Praia dos Pescadores. Aos catorze, após frequentar a escola de pesca local — onde o seu pai era instrutor — tirou a cédula de pescador e começou a trabalhar no mar. Movido pela vontade de aprofundar os seus conhecimentos, ingressou na Escola Profissional de Pesca de Lisboa, onde permaneceu um ano, antes de embarcar na sua primeira campanha de pesca do bacalhau, a bordo do navio “Creoula”.
Francisco Alberto tinha apenas 16 anos quando embarcou rumo à Terra Nova e à Gronelândia, enfrentando o frio cortante e as tempestades do Atlântico Norte. A vida a bordo do bacalhoeiro Creoula, com uma tripulação de cerca de oitenta homens, esteve longe de ser um mar de rosas. Participou em três campanhas de pesca do bacalhau — duas como moço e uma como pescador — tornando-se um dos chamados “homens de ferro em barcos de madeira”, expressão popularizada por Alan Villiers, jornalista da National Geographic, que em 1950 acompanhou uma viagem do bacalhoeiro Argus aos bancos da Terra Nova. Tal como os pescadores do Argus, Francisco acordava ainda de madrugada para se lançar ao mar num pequeno bote de madeira, levando apenas uma merenda, uma bússola, isco e os apetrechos de pesca. Os dóris — pequenos barcos de fundo chato lançados ao mar com um único homem a bordo — afastavam-se do navio-mãe, por vezes centenas de metros, outras vezes várias milhas, movidos a remos ou à vela, regressando apenas horas depois, idealmente carregados de bacalhau. Embora nunca tenha enfrentado grandes dificuldades para regressar ao Creoula, Francisco guarda com emoção a memória de um encontro com um tubarão enquanto pescava sozinho no seu dóri. “Tive que dar o bacalhau ao tubarão para lhe encher a barriga”, conta, entre risos. A sua odisseia a bordo do Creoula durou três longas e penosas campanhas de seis meses, até que decidiu dar um novo rumo à sua vida.
Após os mares gelados do Atlântico Norte, Francisco Alberto rumou às águas mais quentes da costa da Mauritânia, mais precisamente aos bancos de pesca de Cabo Branco. “Andei muitos anos na pesca de arrasto”, recorda, referindo-se aos tempos em que trabalhava como marinheiro em arrastões portugueses onde “nunca havia um minuto de descanso”. No entanto, a faina em Cabo Branco não foi a tábua de salvação financeira que Francisco esperava. Poucos anos após o 25 de Abril, surgiu-lhe a oportunidade de embarcar como marinheiro num navio de carga na Holanda. “Estive lá dois anos — foi o suficiente. Quando voltei, comprei um barquinho, que depois vendi para comprar um barco a sério”, conta, com um sorriso orgulhoso, enquanto aponta para o Toni Fernando, o seu atual barco, do qual fala com indisfarçável orgulho.
Francisco Alberto comprou o barco Toni Fernando — nome escolhido em homenagem aos seus dois filhos — há quarenta e três anos. Durante dezanove anos, foi o mestre da embarcação, tendo inclusivamente trabalhado com os filhos a bordo. Há doze anos, afastou-se da vida ativa no mar. Hoje, o barco que comprou com tanto esforço e dedicação é comandado pelo seu filho mais velho, António Alberto. Depois de uma vida marcada por grandes desafios e aventuras no mar, Francisco dedica-se agora à família e aos pequenos prazeres do quotidiano — como uma boa sardinhada partilhada entre amigos.