Joel Leirião 

Joel Leirião nasceu e cresceu em Ribeira de Cima, no concelho de Porto de Mós, e há 32 anos que faz desta aldeia o seu lugar no mundo. Da infância, recorda sobretudo os dias passados fora de casa, entre jogos de futebol e passeios de bicicleta pela serra. Lembra-se também de acompanhar o pai e o avô nos trabalhos agrícolas, em pequenas parcelas de terreno da família espalhadas pelo Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. “Estava sempre na rua”, resume Joel.  



Apesar da liberdade que o rodeava, nem tudo era simples. Desde pequeno, teve de conviver com uma doença inflamatória crónica da pele — o eczema atópico — que, em fases mais agudas, cobria cerca de 70% do corpo. A condição impunha-lhe limites, impedindo-o de participar em certas atividades, como ajudar o pai, serralheiro de profissão, na oficina da família, onde o pó e as partículas em suspensão agravavam os sintomas. Embora o gosto pelos trabalhos manuais já se fizesse notar desde cedo, essa paixão acabou por ficar adormecida durante muitos anos. Só há cerca de cinco anos, com o aparecimento de um novo medicamento que lhe permitiu controlar os sintomas da doença, Joel começou finalmente a dedicar-se ao que, de facto, o entusiasmava. Até então, a doença tinha condicionado grande parte do seu percurso, influenciando não só o dia a dia como também as escolhas académicas e profissionais. 




Antes de enveredar pelo artesanato, Joel fez um curso profissional em Porto de Mós e, mais tarde, uma especialização tecnológica em Desenvolvimento de Produtos Multimédia no Instituto Politécnico de Leiria. Acabou por trabalhar durante sete anos numa empresa de artes gráficas — a mesma onde tinha estagiado enquanto frequentava o curso profissional. Apesar de ter participado em inúmeros projetos e de valorizar essa experiência, começou a sentir-se limitado: o trabalho não lhe proporcionava a liberdade criativa que procurava. Foi nessa altura que, nos tempos livres, Joel começou a criar pequenas peças em madeira, de forma modesta, recorrendo às ferramentas e materiais disponíveis na oficina do pai. Depois de fazer uns cinzeiros — as suas primeiras peças — Joel começou a ganhar gosto pelo trabalho manual e a perceber que era nesse caminho que se sentia realmente realizado. Em 2022, em plena pandemia, decidiu deixar o emprego e dedicar-se mais intensamente ao trabalho com a madeira.

Livre da doença que o condicionou durante tantos anos, Joel Leirião pôde, finalmente, abraçar o trabalho artesanal sem restrições. Para se aperfeiçoar como artesão, começou por frequentar um curso online de produção de colheres de pau e, mais tarde, completou uma formação pós-laboral de 50 horas dedicada à criação de objetos e utensílios de cozinha em madeira. Foi no CENCAL — instituição de formação e apoio técnico-pedagógico sediada nas Caldas da Rainha — que Joel aprofundou os seus conhecimentos e desenvolveu competências no uso de máquinas como serras de fita, plainas, lixadoras e tornos. Durante a formação, foi-lhe dada liberdade para escolher o objeto a criar. Optou por fazer uma taça — uma peça que acabaria por assumir um lugar especial no seu trabalho.





Apesar das formações, Joel Leirião considera-se um artesão autodidata, sem mestres nem guias, que aprendeu sobretudo pela prática e pela experimentação. “É um processo muito baseado na tentativa e erro”, afirma Joel, referindo-se ao seu modo de criar. Tudo depende da madeira — uma matéria-prima que exige do artesão constante adaptação. “É a madeira que dita as regras. É necessário seguir o seu veio. Às vezes, estou a trabalhar numa peça e a madeira racha ou surge um nó que precisa de ser retirado. Isso já altera a ideia inicial e exige que eu me adapte. Acho que foi precisamente essa necessidade constante de resposta e improviso que me atraiu para a madeira", diz Joel.

Até há poucos anos, Joel Leirião não tinha qualquer experiência com as ferramentas que hoje manuseia com destreza. Gradualmente, foi identificando as ferramentas que precisava de adquirir para dar forma às suas ideias. “Uso essencialmente ferramentas de entalhe. As que mais utilizo são as goivas, os formões, as facas e os machados. Depois, há as grosas e as limas, que uso para esculpir as peças, antes de passar ao lixamento”, explica, enquanto segura um machado — uma ferramenta que considera especialmente versátil. Grande parte do conhecimento que Joel tem sobre o uso das ferramentas foi adquirida através da visualização de inúmeros vídeos no YouTube — uma plataforma que, segundo ele, pode ser uma grande escola, desde que se saiba filtrar bem os conteúdos. 

O tempo de execução varia consoante o tipo de peça. “Por exemplo, uma faca de manteiga demora, em média, cerca de uma hora e meia a ficar pronta. Desde rachar o tronco ao meio, esculpir a madeira ainda verde, deixar secar, e depois retomar o trabalho para os retoques finais e a aplicação do óleo”, explica, acrescentando: “Se quiser fazer uma peça com mais detalhes, demoro naturalmente mais tempo”. 

Recentemente, Joel decidiu incorporar nas formas orgânicas de algumas das suas jarras um elemento que remete às suas origens. “Inspiro-me nas fachadas das casas antigas da minha zona, onde a rusticidade contrasta com a simplicidade da jarra”, diz o artesão de Ribeira de Cima. Além da arquitetura local, Joel Leirião encontra a sua maior fonte de inspiração na beleza do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, que envolve a região onde vive e com a qual aprendeu a conviver desde criança. O respeito pela natureza também se reflete na forma como Joel integra a sustentabilidade no seu trabalho, aproveitando ao máximo todos os materiais disponíveis e evitando qualquer desperdício. A madeira que utiliza provém de várias origens, mas todas sustentáveis: desde árvores de fruto cedidas por agricultores da região — como laranjeiras, macieiras ou limoeiros — até móveis descartados por particulares e madeira adquirida a um vendedor de lenha local. Joel Leirião transforma cada peça numa extensão de si próprio, combinando técnicas tradicionais com toques contemporâneos para criar esculturas únicas e sustentáveis. 

Mesmo já contando com um leque variado de peças — que vão desde utensílios de cozinha até jarras artísticas — Joel Leirião admite que ainda está a descobrir-se enquanto artesão. Ainda assim, não tem dúvidas de que o trabalho com a madeira o aproximou ainda mais da natureza. O seu trabalho em part-time como jardineiro, que concilia com a atividade artesanal, também tem alimentado o seu interesse crescente por árvores e plantas. “Gosto bastante dessa área. Sigo cada vez mais pessoas no Instagram que falam sobre o tema — parece que criei um mundo em que me sinto inserido. Há uns anos não ligava muito a isso, gostava mais era de andar de skate por aí”, conta Joel.

Embora tenha orgulho no caminho que tem trilhado enquanto artesão, Joel Leirião reconhece que ainda está a dar os primeiros passos. “Sinto que ainda sou muito inexperiente. Apesar de trabalhar com madeira há cerca de quatro anos, sei que ainda tenho muito para aprender”, afirma, admitindo ser o principal crítico do seu próprio trabalho. Numa busca constante pelo aperfeiçoamento, Joel procura dominar diferentes técnicas que o ajudem a evoluir — como é o caso da afiação, que, segundo o artesão, “exige um longo processo de aprendizagem e muita memória muscular para executar corretamente os movimentos”.



No ano passado, entre 18 de setembro e 13 de dezembro, Joel Leirião apresentou a sua primeira exposição no Posto de Turismo de Porto de Mós, a convite do município. Intitulada “Expressões na Madeira”, a mostra reuniu os trabalhos que o artesão desenvolveu até então. Orgulhoso da conquista e da receção positiva por parte do público, Joel já pensa em futuras exposições — e revela a vontade de “fazer algo diferente, mais pensado, idealizando uma linha de peças a expor”. Além disso, participa regularmente em feiras de artesanato, onde dá a conhecer o seu trabalho ao público. É sobretudo no verão e na época do Natal que Joel marca presença nesses eventos, em localidades como Leiria, Ericeira, Porto e Coimbra. 


Afastado do artesanato até há poucos anos, Joel Leirião já não se imagina a deixar de trabalhar a madeira. Tem-lhe dedicado cada vez mais tempo e ambiciona, no futuro, transformar esta atividade na sua profissão a tempo inteiro. Os objetivos estão bem definidos: a curto prazo, pretende candidatar-se à carta de artesão e criar um site com loja online. “Também gostava de explorar outras vertentes da madeira, fazer esculturas maiores ou painéis para parede”, revela, acrescentando: “Agora estou mais na onda de experimentar texturas”. A médio e longo prazo, sonha com um novo espaço de trabalho — com melhores condições para aprender e desenvolver novas técnicas, mas também para partilhar o que sabe, através de workshops e exposições. Enquanto esse dia não chega, Joel Leirião continua a aprender com a madeira, sempre a seguir o seu veio, numa expressão autêntica de respeito pela natureza.

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