Nelson Luís

Separado do continente por um tômbolo, formando uma praia de areia fina e branca que, em tempos, o escritor Raúl Brandão considerou “a mais linda praia da terra portuguesa”, o Baleal é uma pequena península, outrora uma ilha, situada a norte de Peniche. Devendo o seu nome ao facto dos seus rochedos terem servido, no passado, como local de corte e talhe das baleias que, na sua rota migratória, eram caçadas pelos pescadores locais, o Baleal tornou-se, ao longo dos anos, um destino de veraneio muito procurado. Graças ao seu potencial único, a nível europeu, para a prática de desportos náuticos, esta pequena península distingue-se por oferecer condições excecionais para a prática de atividades tão distintas como o surf e a pesca submarina. Não é por acaso que aqui se realizam, regularmente, etapas dos campeonatos nacionais destas modalidades. No que diz respeito à pesca submarina, as primeiras duas jornadas do campeonato nacional, desta época, realizaram-se no início de março, sendo que uma delas foi ganha por Nelson Luís, um filho desta terra abençoada pelos deuses.

Nascido em 1987, no seio de uma família profundamente ligada ao Baleal, Nelson habituou-se desde muito cedo a pescar na companhia do pai ou do avô, ambos pescadores. “O meu avô Raúl tinha burros que utilizava para fazer o transporte de água, bagagens e outros bens das pessoas que viviam aqui ou que vinham de férias, já que na altura não havia a estrada que faz a ligação à ‘ilha’ do Baleal. Lembro-me de ser muito pequeno e de ir à pesca com o meu avô Raúl”, conta Nelson. Ainda na infância, começou a pescar à cana e a “ir aos polvos” com regularidade, sempre acompanhado pelo pai. Aos 7 anos, decidiu aventurar-se sozinho num tipo de pesca diferente de tudo o que havia feito até então: a pesca submarina. “Comecei a fazer com um fato de surf que o meu irmão Alexandre me ofereceu. Ia aos chocos e aos polvos com um puxeiro. Só uns anos mais tarde, pelos meus 12 anos, é que tive a minha primeira arma de pesca submarina”, diz Nelson, acrescentando: “No início, ia praticamente sempre sozinho. Só mais tarde, com uns 16 anos, é que fiz amizade com o Ricardo Alves que, na altura, também já praticava pesca submarina. Começámos a praticar juntos, até aos dias de hoje”. Por essa altura, os chocos e os polvos já não eram as suas presas principais. “Comecei a ter mais entusiasmo para apanhar peixe”, diz, prosseguindo: “Um dos primeiros grandes peixes que apanhei foi um robalo com 6 kg. Ao final da tarde, nas Pedras Muitas, encontrei um buraco cheio de robalos, todos eles grandes. O problema foi que o arpão ficou cravado na cabeça do peixe e não consegui desencaixá-lo, pelo que, nesse dia trouxe apenas esse robalo para casa, porque não tinha outra arma para apanhar mais”. 

Aos 16 anos, Nelson começou a trabalhar na embarcação do pai, dedicando-se à pesca com redes e covos, ao mesmo tempo que fazia o ensino secundário no FOR-MAR - Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar, em Peniche. “Aprendi muita coisa sobre pesca nesses três anos, especialmente com o Mestre Chico e com o Mestre Luís”, lembra Nelson. 

Ao longo de nove anos, durante o verão, foi nadador-salvador de vários concessionários do Baleal, tendo lidado com inúmeras situações complicadas, e algumas dramáticas. “Estava a trabalhar sozinho na praia norte do Baleal e responsável por toda essa praia. A dona Fernanda Grandela, minha amiga e patroa do restaurante Prainha, alertou-me para prestar especial atenção a um grupo de estrangeiros que aparentavam estar alcoolizados, sendo que ela já os tinha alertado para o facto de haver agueiros na zona onde se encontravam. Também lhes disse que estavam numa zona de praia não vigiada, bastante longe da zona concessionada, pelo que deveriam ter muito cuidado com o mar. Fiquei imediatamente em alerta, no entanto, encontrava-me longe e tinha a minha praia lotada. Como tal, não era possível sair de onde estava para vigiar unicamente esse grupo, que se encontrava a norte do Lagide. Instantes depois, vejo uma criança a correr na minha direção, ainda bastante longe, e desatei logo a correr, por instinto, sem saber se estaria relacionado com aquele grupo ou com outra situação, ou sequer se a criança estaria a correr para mim. Quando me aproximei, deparo-me com uma pessoa a boiar e outra inconsciente, a qual consegui retirar do mar e reanimar com a ajuda do INEM. No entanto, quando fui resgatar o outro adulto, vi que já estava muito mal e já não conseguimos recuperá-lo”, conta, referindo-se ao episódio mais marcante que viveu como nadador-salvador. Por episódios como este, Nelson Luís deixa o alerta para que “as pessoas utilizem apenas praias vigiadas”.  

Depois de terminar o 12º ano, Nelson Luís passou a dedicar-se mais intensamente à pesca. Ao mesmo tempo que trabalhava com o pai na pesca profissional, investia numa carreira de mariscador e pescador submarino. Com o passar dos anos, foi-se aprimorando em diferentes técnicas de pesca submarina. A sua favorita é a caça à espera, ou “agachon”, que consiste em ficar escondido à espera que o peixe se aproxime, atraindo-o através de chamamentos que variam de peixe para peixe. “Chamamos os peixes através de sons que fazemos com a garganta ou com os elásticos da arma. Enquanto fazemos os chamamentos, estamos a olhar para o peixe que queremos apanhar e tentamos perceber o seu comportamento. Alguns peixes são muito curiosos e aproximam-se” Além do “agachon”, também utiliza a técnica de caça à índio, que se baseia em evoluir pelo fundo, como que rastejando, sem alertar o peixe, e a técnica de caça ao buraco. À medida que foi evoluindo como pescador submarino, também foi se tornando mais seletivo nas suas pescas. “Já apanhei safios bem grandes, um deles tinha 28 kg, mas não é um peixe que me motive. Para apanhar safios, basta conhecer os sítios onde eles se escondem. Aqui nesta zona, o peixe que me dá mais gozo apanhar é a dourada, por ser muito desconfiada e difícil de capturar. O pargo legítimo ainda é mais do que a dourada, se desconfiam que está alguém por perto, desaparecem logo. Mas são estes peixes mais difíceis que me motivam para melhorar a técnica de caçar”, diz Nelson, antes de contar como apanhou uma corvina de 38 kg. “Foi na zona das Felícias, em Peniche. Estava a deslocar-me em cima da prancha para uma zona onde costumo mergulhar e vi como que um borbulhar à superfície da água, algo estranho, e meti a cabeça debaixo de água para ver o que era. Vi um cardume gigante de corvinas a passar por baixo de mim. Coloquei de imediato a minha câmara a filmar e lancei-me ao desafio. Fui arrastado pela corvina durante meia-hora, uma verdadeira adrenalina. Foi o maior peixe que já apanhei”, conta, lembrando que também já capturou outras corvinas com mais de vinte quilos. 

Em 2017, mais de duas décadas depois de ter começado a fazer pesca submarina na Praia dos Barcos, no Baleal, Nelson Luís decidiu pôr à prova as suas capacidades de pescador submarino. “Sinto que evoluí muito desde que comecei a participar em competições, nomeadamente na exploração de diferentes técnicas e na descoberta de novos locais de pesca. Quando pescamos no nosso quintal, estamos mais confortáveis, mas quando vamos para sítios que não conhecemos, isso obriga-nos a sair da nossa zona de conforto e a aperfeiçoar a técnica para explorar um novo mundo”, diz, enquanto se prepara para mais uma sessão de pesca no seu “quintal”, o Baleal. 

Ao nível de competição, Nelson salienta a importância de uma boa prospeção dos fundos onde decorrem as provas. “Uns dias antes da competição, vamos bater o fundo do mar para tentar descobrir zonas interessantes. Utilizando uma sonda, marcamos no GPS os sítios onde encontramos peixe e tentamos perceber o seu comportamento. Quando estão quarenta participantes a mergulhar no mesmo sítio, como acontece num dia de competição, os peixes fogem facilmente, até as tainhas e as salemas se tornam peixes difíceis de capturar. Por isso, caçar nesses dias é muito mais difícil do que caçar num dia normal”, explica Nelson Luís. Além de conhecer novos fundos marinhos, também aproveita as competições para trocar conhecimentos e experiências com pescadores submarinos de outros lugares.

Há 3 anos, a evolução de Nelson Luís no mundo da pesca submarina obteve reconhecimento com a chamada à Seleção Nacional da modalidade. No currículo do atleta e responsável pela secção de Pesca Submarina do Clube Naval de Peniche, constam dois títulos de campeão nacional, um no Campeonato Nacional de Duplas e outro no Campeonato Nacional de Triplas, e três quartos lugares no Campeonato Nacional de Pesca Submarina. Além disso, conta com participações em competições internacionais, tais como o Open Internacional Isla de Tenerife e o Campeonato Euro-Africano de Pesca Submarina, realizado na Tunísia, onde foi o melhor representante português na competição. 

“Em novembro deste ano, irá realizar-se o Campeonato do Mundo de Pesca Submarina no Brasil, para o qual me encontro convocado. No entanto, por vezes, os atletas acabam por desistir devido ao escasso apoio, nomeadamente financeiro. A FPAS - Federação Portuguesa de Atividades Subaquáticas - tenta dar algum apoio nesse sentido, mas não é suficiente para encorajar os atletas, ao contrário do que acontece em outras modalidades, em que os atletas recebem financiamento suficiente para representar a Seleção Nacional. Precisamos claramente de mais apoios e, sobretudo, valorização da modalidade”, declara Nelson Luís. Refere ainda que, apesar de tudo, os atletas convocados para a Seleção Nacional “têm conseguido participar nas competições com êxito.  Por exemplo, o atleta e meu amigo Jody Lot, já foi duas vezes campeão do mundo de pesca submarina”. 

Atualmente, Nelson Luís é apoiado pelo CNP - Clube Naval de Peniche e pela MARES, uma marca de renome no setor do mergulho que o patrocina há mais de 10 anos. Contudo, admite precisar de recorrer a apoios locais para fazer face às despesas que envolvem a participação em competições no estrangeiro. Mesmo a nível interno, nem sempre dá para dedicar o tempo que gostaria. “O ideal seria realizar duas semanas de prospeção em cada local de competição, sendo que as provas se realizam em diferentes zonas do país, de norte a sul”, diz, reconhecendo que não o faz “por ser muito dispendioso”. Não obstante, o pescador submarino da freguesia de Ferrel pretende manter-se em competição durante mais alguns anos. “A competição dá-me gozo. Gosto de tentar fazer melhores resultados e perceber que consigo evoluir mais”, afirma, com entusiasmo.

Ciente de que “há sempre espaço para melhorar”, Nelson Luís tem procurado alargar os seus horizontes submarinos. Utilizando a técnica do “sputnik”, uma forma avançada de imersão, em que o pescador usa um peso para submergir rapidamente, já chegou a mergulhar a 38 metros de profundidade. “Se ficar sempre junto à costa, em zonas baixas, não preciso ter grande apneia. Mas se exigir mais do corpo, fazendo uma pesca em que tenho de estar mais tempo sem respirar, ele vai-se habituar a profundidades maiores. É assim que consigo evoluir mais e procurar zonas praticamente inexploradas”, afirma, visivelmente orgulhoso. Além dos mergulhos em profundidade, em que consegue permanecer cerca de três minutos debaixo de água, Nelson Luís também gosta de caçar com o mar agitado. “Quando o mar está calmo, há muita gente a fazer pesca submarina, por isso os peixes estão mais desconfiados. Se o mar estiver com força, os peixes andam mais tranquilos e juntam-se mais às rochas para se alimentarem”, diz, reconhecendo o risco inerente a este tipo de pesca.

Ao longo das últimas décadas, Nelson Luís foi testemunha do declínio das populações marinhas, causado pela pesca excessiva, pela poluição e pelas alterações climáticas. “Antigamente, quando ia à pesca à cana com o meu pai, era quase certo que apanhávamos muitos sargos e douradas. Hoje em dia, já não é assim. Só duas ou três vezes por ano é que há uma grande quantidade de peixe junto à costa”, diz Nelson, que conhece bem os fundos marinhos de toda a costa portuguesa. Apesar de reconhecer o impacto da sobrepesca nos oceanos, não tem dúvidas em afirmar que “a pesca submarina é a forma de pesca mais sustentável”. De facto, são vários os estudos que apontam esta atividade como a forma de pesca que causa menos impacto ambiental. “Representa menos de 1% do total das capturas de pesca. O pescador é que decide o que apanha, logo é uma pesca muito mais seletiva. Além disso, tudo o que levamos para o mar, trazemos connosco. Não ficam artes de pesca, não ficam linhas, não fica lá nada”, explica o pescador submarino. O facto de ser uma forma de pesca responsável também se reflete nos mais pequenos detalhes. “Evito apanhar bodiões. São um sinal de que a zona é interessante, pois dão confiança aos peixes migratórios para ficarem nessa zona. Por isso, são muito importantes na cadeia alimentar”, afirma Nelson Luís.

Apesar de toda a dedicação à pesca submarina, essa não é a sua atividade profissional. Durante o dia, trabalha como mariscador, fazendo a apanha de percebes, ouriços-do-mar e bruxas. Sendo uma das 40 pessoas licenciadas para a apanha de percebe na Reserva Natural das Berlengas, Nelson desloca-se, regularmente, na sua embarcação ao arquipélago, situado 6 milhas a oeste do Cabo Carvoeiro. Questionado sobre os riscos inerentes a esta atividade, Nelson não esconde a realidade: “Quanto mais perigoso for o sítio, melhor é a qualidade do percebe. Por isso, arriscamos sempre um bocadinho para tentar apanhar o melhor percebe, aquele que tem mais valor comercial. Já caí e cortei-me nas rochas muitas vezes. Hoje em dia, uso capacete, joelheiras e proteções de mota, ando todo protegido para não me magoar tanto quando caio”. Enquanto mariscador, também percorre a costa do Oeste em busca dos melhores percebes, bem como de ouriços-do-mar e bruxas, outras duas iguarias com alto valor de mercado. A apanha de algas, em São Martinho do Porto, uma atividade que se realiza durante o verão, é outro dos trabalhos executados por Nelson Luís. Como se não bastasse, após tirar o curso de mergulho profissional, há 7 anos, passou a realizar trabalhos pontuais em diferentes projetos, como aconteceu no âmbito da plataforma de produção de energia das ondas, que se encontra fundeada ao largo da praia da Almagreira, freguesia de Ferrel. Por último, no período noturno, partilha os seus conhecimentos sobre pesca no FOR-MAR - Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar. Nelson Luís é hoje formador nas áreas de Marinharia e Tecnologia da Pesca, na mesma escola onde tirou o ensino secundário e onde aprendeu muito sobre pesca.

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Vítor Rodrigues